sexta-feira, dezembro 31, 2010
terça-feira, dezembro 28, 2010
Filosofia Para Crianças
Matthew Lipman 1922-2010
I am deeply saddened to announce that Dr. Matthew Lipman, creator of the Philosophy for Children movement and Professor Emeritus of Montclair State University, passed away on December 26, 2010 at his residence in the Green Hill Retirement Community in West Orange, New Jersey. Lipman was born August 24, 1923 in Vineland, New Jersey. He served in the U.S. Infantry from 1943‑1946 in France and Germany, and was awarded two bronze stars during the Second World War. His experiences helping to liberate concentration camps in Germany is recounted in his autobiography, A Life Teaching Thinking.
Lipman studied at Stanford, Columbia, the Sorbonne in Paris and the University of Austria, earning his Ph.D. in philosophy from the University of Columbia in 1954. His dissertation, later published as What Happens in Art (1967) drew on the work of John Dewey, with whom Lipman conversed, and who complimented the dissertation. Lipman became a Professor of Philosophy at Columbia and chaired the Department of General Education at Columbia in the 1950’s and 1960’s, during which time he also taught at Sarah Lawrence College and the City College of New York.
Lipman’s experiences teaching philosophy to college students and adult education students, and witnessing the political upheaval that took place on university campuses around the country in the 1960s, convinced him that learning to think critically, to inquire about philosophical questions and to form reasonable judgments should begin much earlier. In 1969, with the support of the National Endowment for the Humanities, he began writing his first philosophical novel for children, Harry Stottlemeier's Discovery, which was piloted in public schools in Montclair, New Jersey. In 1972 Lipman left Columbia for Montclair State College to further develop his ideas of what came to be known as “Philosophy for Children.” In 1974 he established the Institute for the Advancement of Philosophy for Children (IAPC) with co-founder Ann Margaret Sharp, and for the next three decades, Lipman became a national and a world leader in the fields of critical thinking, pre-college philosophy and educational reform.
Philosophy for Children became nation-wide movement, with workshops organized in every state through the National Diffusion Network of the Department of Education. The movement also spread around the world, with local and national organizations in over forty countries, and regional associations in Europe, Latin America and Australasia. Lipman’s curriculum has been translated into dozens of languages, and in 1985 the International Council for Philosophical Inquiry with Children was founded in Copenhagen.
Lipman’s academic career involved teaching courses in philosophy and education, writing the world’s first systematic pre-college philosophy curriculum, creating masters and doctoral programs in Philosophy for Children, conducting empirical research on children’s thinking and philosophical inquiry, founding the journal Thinking, conducting conferences and professional development workshops, acquiring research grants, and writing scores of books and journal articles. He retired from Montclair State in 2001 but remained an active scholar, publishing numerous articles and interviews, and writing his autobiography, which was published in 2008
In 1952 Lipman married Wynona Moore (1932-1999), the first African-American woman to be elected to the New Jersey Senate (1971) and the Senate’s longest-serving member at the time of her death in 1999. The Lipmans had two children, Will, who died in 1984, and Karen, who lives in Georgia. In 1974, Dr. Lipman married Theresa Smith, who passed away in 2006.
A viewing will be held on Monday, January 3, 2011 from 5:00 to 7:00 PM and a funeral service will take place on Tuesday, January 4th, at 10:00 AM at the Hugh M. Moriarty Funeral Home, 76 Park St., Montclair, NJ. In lieu of flowers donations can be made to the Institute for the Advancement of Philosophy for Children through the Montclair State University Foundation. Contact Joe Oyler at oylerj@mail.montclair.edu.
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Joe Oyler
Programs Coordinator
Institute for the Advancement
of Philosophy for Children
www.montclair.edu/iapc
oylerj@mail.montclair.edu
quinta-feira, dezembro 23, 2010
Moçambique & Portugal
dar mais versus deixar de dar ou melhorar a relação entre seres humanos
Moçambique – 30 anos de Independência
por Mia Couto
NO PASSADO, O FUTURO ERA MELHOR?
Nasci e cresci numa pequena cidade colonial, num mundo que já morreu. Desde cedo, aprendi que devia viver contra o meu próprio tempo. A realidade colonial estava ali, no quotidiano, arrumando os homens pela raça, empurrando os africanos para além dos subúrbios. Eu mesmo, privilegiado pela minha cor da pele, era tido como um “branco de segunda categoria”. Todos os dias me confrontava com a humilhação dos negros descalços e obrigados a sentarem-se no banco de trás dos autocarros, no banco de trás da Vida. Na minha casa vivíamos paredes-meias com o medo, perante a ameaça de prisão que pesava sobre o meu pai que era jornalista e nos ensinava a não baixar os olhos perante a injustiça. A independência nacional era para mim o final desse universo de injustiças. Foi por isso que abracei a causa revolucionária como se fosse uma predestinação. Cedo me tornei um membro da Frente de Libertação de Moçambique e a minha vida foi, durante um tempo, guiada por um sentimento épico de estarmos criando uma sociedade nova.
No dia da Independência de Moçambique eu tinha 19 anos. Alimentava, então, a expectativa de ver subir num mastro uma bandeira para o meu país. Eu acreditava, assim, que o sonho de um povo se poderia traduzir numa simples bandeira. Em 1975, eu era jornalista, o mundo era a minha igreja, os homens a minha religião. E tudo era ainda possível.
Na noite de 24 de Junho, juntei-me a milhares de outros moçambicanos no Estádio da Machava para assistir à proclamação da Independência Nacional, que seria anunciada na voz rouca de Samora Moisés Machel. O anúncio estava previsto para a meia-noite em ponto. Nascia o dia, alvorecia um país. Passavam 20 minutos da meia-noite e ainda Samora não emergira no pódio. De repente, a farda guerrilheira de Samora emergiu entre os convidados. Sem dar confiança ao rigor do horário, o Presidente proclamou: “às zero horas de hoje, 25 de Junho...“. Um golpe de magia fez os ponteiros recuarem. A hora ficou certa, o tempo ficou nosso.
Não esqueço nunca os rostos iluminados por um irrepetível encantamento, não esqueço os gritos de euforia, os tiros dos guerrilheiros anunciando o fim de todas as guerras. Havia festa, a celebração de sermos gente, termos chão e merecermos céu. Mais que um país celebrávamos um outro destino para nossas vidas. Quem tinha esperado séculos não dava conta de vinte minutos a mais.
Trinta anos depois poderíamos ainda fazer recuar os ponteiros do tempo? A mesma crença mora ainda no cidadão moçambicano? Não, não mora. Nem podia morar. Em 1975, nós mantínhamos a convicção legítima mas ingénua de que era possível, no tempo de uma geração, mudarmos o mundo e redistribuirmos felicidade. Não sabíamos quanto o mundo é uma pegajosa teia onde uns são presas e outros predadores.
Trinta anos é quase nada na história de um país. Estamos já distantes da injustiça colonial. Mas estamos ainda longe de cumprir o sonho que nos fez cantar e dançar na noite de 25 de Junho. Uma parte dessa expectativa ficou por realizar. Hoje já não acorreríamos com a mesma fé para celebrar uma nova anunciação. Mas isso não quer dizer que estamos menos disponíveis para a crença. Estaremos, sim, mais conscientes que tudo pede um caminho e um tempo.
Poderemos recorrer a explicações, apontar dedos acusadores. Tudo isso será pouco produtivo. Não se pode esperar que um país saído do atraso da dominação colonial possa realizar aquilo que velhas nações independentes estão ainda construindo. Moçambique está aprendendo a ser soberano num mundo que aceita muito pouco a soberania dos outros. O céu que parecia infinito foi ficando estreito para as chamadas pequenas bandeiras.
No mesmo ano em que se desintegrava o império colonial português, em 1975, os Estados Unidos da América eram derrotados no Vietname. O tempo parecia correr a favor dos povos “pequenos”, capazes de enfrentar a arrogância dos poderosos. Essas vitórias criaram a ilusão de que um mundo mais justo estava despontando. Mas o sistema mundial cedo se reajustou desses revezes. A Independência de Moçambique teve que enfrentar uma dualidade: representou uma ruptura com o colonialismo mas, ao mesmo tempo, funcionou como um passo para uma maior integração num sistema capitalista que se globalizava. A essa condição ambivalente não poderíamos escapar.
Meus senhores e minha senhoras,
Caros amigos
No meu romance Terra Sonâmbula criei um personagem que, por nascer no dia da Independência, a vinte e cinco de Junho, foi baptizado de Junhito. A história decorre no decurso da nossa guerra civil que se prolongou durante 16 anos.
Certa noite, o pai de Junhito é assaltado por um pressentimento: o seu filho iria morrer em breve. Era isso o que a guerra reclamava: a morte desse que nascera em Junho. Para salvar o filho, a família resolveu transferi-lo para a capoeira que ficava no quintal. Ali Junhito aprenderia a comportar-se como as galinhas, comendo as sobras e dormindo ao relento. Resignado a sobreviver sem glória, sem brilho, sem substância.
Junhito foi-se tornando numa sombra e, em casa, os familiares estavam proibidos até de mencionar o seu nome. A mãe, mesmo ela, parecia conformada. Contudo, às escondidas da noite, ela visitava a capoeira. Sentava-se no escuro e cantava uma canção de embalar, a mesma que servira para adormecer os outros irmãos. Junhito, de início, acompanhava a mãe no canto. Mas depois, o menino já nem sabia soletrar as humanas palavras. Esganiçava uns cóós e ajeitava a cabeça por baixo do braço. E assim adormecia, sonhando que, certa vez, teria sido um homem.
A metáfora no romance é simples, quase linear. Na altura, eu denunciava a nossa progressiva perda de soberania, e uma crescente domesticação do nosso espirito de ousadia. Poderíamos ser nação mas não demasiado, poderíamos ser povo mas apenas se bem comportado.
Num processo difícil e conflituoso, Moçambique criou a reputação de ser um caso de excepção em África. Esse bom-nome, devo dizer, é merecido. Esse prestígio foi conquistado, não é uma prenda de nenhum paternalismo. Fomos capazes de produzir a Paz. Fomos capazes de criar democracia formal, de construir estabilidade e de garantir liberdades de expressão e de pensamento. Tenho orgulho nesse processo. Mas tenho também receio. Porque o caminho que percorremos não foi exactamente escolhido por nós, nem está sendo testado à medida da nossa vontade. O nosso êxito não pode continuar a ser medido apenas pelo sucesso da aplicação de um directório de receitas políticas e financeiras. Ao contrário, deveríamos ser valorizados pelo modo como repensamos criativamente o nosso lugar no mundo.
Nos gloriosos anos da luta de libertação nós gritávamos “Independência ou Morte, Venceremos”. Hoje sabemos: a independência não é mais do que a possibilidade de escolhermos as nossas dependências. Na década de 70, o mundo oferecia a possibilidade de diferentes opções e alianças estratégicas. Hoje as economias nacionais perfilam-se perante um modelo sem alternativa. Escolhemos o que outros escolheram por nós. Uma parte da nossa alma foi já, mesmo sem o sabermos, conduzida para a capoeira e ali esquece a irreverência, a originalidade e o desejo de ser único.
A redução da soberania não é um processo que esteja atingindo especificamente Moçambique. É um processo generalizado. Todas nações são hoje menos nacionais, todo o cidadão é menos dono do se mesmo. Uns dizem que, agora, somos todos mundo. Mas ninguém pode ser do mundo se não tiver a sua pequena aldeia.
COMO A EUROPA VÊ ÁFRICA
Os continentes são, sobretudo, representações feitas e refeitas de acordo com os tempos. A África de hoje é uma coprodução euro-afro-americana. A versão mais recente dessa coprodução é marcada pela morte e decadência. Cadeias de TV estão confirmando essa agonia, entre doenças e guerras. O excesso de imagens dos dramas de África teve um efeito perverso: o continente deixou de ser visível. Perdeu visibilidade porque tudo parece estar já visto. Aos olhos do resto do mundo, África (ou uma parte dela) deixou de existir. Do mapa cor-de-rosa se passou ao monocromático mapa do desespero.
O apocalipse africano esteve demasiado tempo na montra, foi excessivamente filmado, fotografado, torcido e retorcido para uso da compaixão. Deixou de existir disponibilidade para entender o que está por detrás dessas imagens. Afinal, a fome a guerra são apenas os sinais de uma tragédia mais funda e mais antiga. Essa tragédia assenta em razões internas mas assenta também no lugar periférico de África e nas trocas desiguais do comércio internacional.
Uma certa esquerda europeia transitou da simpatia para um pessimismo militante. A lágrima solidária foi substituída pela indiferença e pelo descrédito. Os africanos, por seu turno, foram eternizando um sentimento de culpabilização dos outros, acreditando tratar-se da continuação de um “complot” antigo para os dizimar.
De um e outro lado, se acumularam desilusões e impaciências. Uma mesma ignorância do Outro foi transitando ao longo da História. Aos profetas do socialismo seguiram-se os profetas do neoliberalismo agitando apressadas receitas financeiras para salvar os pobres. Mas a pobreza insiste, teimosa como uma incurável doença que nos devora do outro lado do Mediterrâneo.
A opção para os países doadores parece simples: dar mais ou deixar de dar. As recentes notícias mostram que, nos próximos tempos, se irá dar um pouco mais. Pelo menos em algumas nações terá vencido a alternativa mais humanitária. Contudo, poucos se interrogarão sobre a necessidade de mudar a qualidade da relação entre o Norte e o Sul.
COMO NÓS VEMOS A SUÍÇA
A Suíça já foi para muitos moçambicanos não um país mas o nome de uma missão religiosa. A Missão Suíça implantou-se no Sul de Moçambique, enfrentando terríveis suspeitas do regime colonial português. Henri Junod foi expulso de Moçambique em 1895 porque ensinava as chamadas “línguas dos nativos”. O missionário ajudava moçambicanos como Eduardo Mondlane a moçambicanizarem-se enquanto, nesse processo, ele mesmo se africanizava, acabando por solicitar que fosse enterrado em terras de Moçambique.
Setenta anos mais tarde, um outro suíço converteu-se numa figura de dimensão quase mitológica. Tratava-se do médico René Gagnaux, uma espécie de filantropo da nova vaga, um homem que dedicou a sua vida a atender os mais pobres. A Suíça, para muitos, era a terra do Gagnaux. Um dos seus filhos, agora moçambicano, lidera uma das principais forças políticas a nível da cidade de Maputo.
Hoje temos da Suíça uma percepção mais moderna e designamo-la por via de um nome curioso: “país doador”. O mundo está hoje dividido entre os que dão e os que recebem. Como se fosse uma condição natural, genética, perpétua. Nós, os receptores daquilo que se chama “ajuda” já tivemos outros nomes: fomos Terceiro Mundo, países em vias desenvolvimento, territórios do Sul, países subdesenvolvidos, nações da periferia.
A dança dos nomes não terminou. Agora, no quadro do politicamente corrigido, nós temos, pela primeira vez, o direito de partilhar de um mesmo nome: somos ambos, ricos e pobres, chamados de “parceiros”. Este novo nome é mais simpático mas ele colide com uma questão de princípio: não se resolve nas palavras aquilo que não está resolvido na substância.
AS MÚTUAS ATRIBUIÇÕES DE CULPAS
O embaixador da Suíça em Moçambique, o meu amigo Dr. Adrian Hadorn, é testemunha da minha insistente intervenção em Moçambique para combater a tendência de vitimização por parte dos africanos. Enquanto continuarmos culpando os europeus pelos nossos próprios falhanços não seremos capazes de nos olharmos para nós próprios como principal motor da mudança. Assumir a condição de sujeito histórico: esse era o maior e mais instigante desafio da Independência Nacional.
É infindável a soma de argumentos para justificar a cleptocracia e a corrupção dentro de continente africano. Alguns intelectuais africanos vêm na importação de modelos externos a origem de todos os males. Esta justificação encontra espaço em alguns doadores. Na linguagem moderna dos relatórios dos consultores este problema seria assim reportado: “falta de ownership das reformas estruturais”. Impostas de fora, essas reformas não poderiam ser implementadas. Mas tudo indica que, ao contrário, parte dessas reformas foram rápida e profundamente apropriadas por elites nacionais que as usaram a favor do seu próprio enriquecimento. O problema não parece estar na origem dos modelos mas na sua natureza política. Os africanos africanizaram a mandioca. As elites fizeram o mesmo com as reformas estruturais.
Se alguns africanos acham que a culpa é apenas dos europeus, no sentido inverso, europeus há que acreditam que a culta cabe apenas aos africanos. Uma relação mais saudável entre uns e outros obrigaria a rupturas profundas, implicava poder começar de novo. Mas esse retorno ao grau zero não existe na História. Compete-nos questionar os pressupostos do nosso relacionamento recíproco.
Elegi para este pequeno texto alguns tópicos soltos. Não sou economista, sou um escritor cuja paixão reside num mundo que não existe. Mas não posso focar indiferente perante alguns assuntos que determinam o nosso destino comum. Eis algumas das interrogações que gostaria de partilhar convosco.
O FALSO SENTIMENTO DE DESPERDÍCIO
A opinião pública na Europa e nos EUA mantém a ideia de que África pode sair da situação de crise se gerir bem os fundos doados. A ajuda apenas é insuficiente porque é mal usada.
É certo que parte das doações tem sido desviada em benefício de elites minoritárias. Algumas dessas fortunas roubadas estão aqui, bem no coração da Europa, na forma de criminosas contas bancárias. Mas a grande verdade é que, mesmo bem usada, a actual ajuda não resolveria os problemas vitais das nações empobrecidas. Pelo contrário, o actual quadro da ajuda poderá estar agravando a condição de miséria do Terceiro Mundo.
Regressemos à ideia dominante de que os valores da ajuda são astronómicos. Na verdade, é necessário colocar essas quantias no devido contexto. Os cidadãos americanos acreditam, por exemplo, que o seu país destina 15 a 20 por cento do seu Orçamento para a ajuda externa. Estão errados. Os EUA gastam menos de 1 por cento nessa ajuda, uma ninharia comparada com os milhões que o governo paga por ano aos fornecedores de armamento.
Um escritor sabe contar, não sabe fazer contas. Mas um economista amigo ajudou-me a fazer umas somas e gostaria de partilhar os resultados convosco. Com os 175 mil milhões de dólares que os EUA já gastaram na guerra do Iraque desde Marco de 2003 seria possível fazer o seguinte:
1) Instalar 40 mil pequenas e médias empresas produtivas relativamente modernas e competitivas na África Subsahariana, gerando directamente 12 milhões de novos postos de trabalho com salários e condições de trabalho acima da actual média. Deste modo se arrancaria de forma permanente cerca de 60 milhões de Africanos das malhas da pobreza. Além disto, este investimento tornaria possível às economias africanas tirarem proveito efectivo das oportunidades comerciais que hoje já existem, como sejam o caso do AGOA (comércio preferencial com os EUA) e o EBA ( everything-but-arms, comércio preferencial com a União Europeia). Isto significa que num espaço de tempo relativamente curto, o Produto Interno Bruto per capita da África Subsahariana poderia ser triplicado, não à custa de ajuda mas com base em desenvolvimento e crescimento real da economia e uma melhor distribuição do rendimento gerado.
2) Além dessas empresas, com o dinheiro gasto no Iraque seria possível também construir mais 600 escolas técnico-profissionais de alta qualidade, onde poderiam ser formados, todos os anos, cerca de 300 mil trabalhadores qualificados para impulsionarem o desenvolvimento da agricultura, agro-indústria, pesca, indústria, turismo, serviços, etc. Este treinamento permitiria que as empresas mencionadas acima pudessem funcionar bem com força de trabalho qualificada, com repercussões imediatas na produtividade e do nível de vida da maioria dos Africanos.
Ou refazendo as contas: os milhares de milhões de dólares gastos no Iraque são suficientes para empregar mais 4 milhões de professores primários por um ano, ou para imunizar todas as crianças do Mundo contra diferentes doenças por 58 anos, ou para alimentar o Mundo durante os próximos 7 anos, ou ainda para terminar com o flagelo da malária em África e construir 2 milhões de novas habitações básicas.
Estes outros destinos a serem concedidos aos milhares de milhões de dólares talvez fossem uma forma mais efectiva de combater a insegurança. Porque há um terror invisível que pode estar alimentando o terrorismo internacional. Esse é o terror da fome, da pobreza, da ignorância, o terrorismo do desespero perante a impossibilidade de mudar a vida.
Caros senhores,
Finalmente, quase nenhuma das nações desenvolvidas cumpriu aquilo que foi estipulado há trinta anos pelas Nações Unidas: destinar 0,7 por cento do seu orçamento para a ajuda externa. Em média, esse apoio não ultrapassa hoje os 0,25 por cento. Como se pode ver, não são apenas os países pobres que não estão cumprindo as obrigações internacionalmente assumidas.
O mais grave, porém, é que aquilo que nos é dado numa mão nos é retirado pela outra mão. Calcula-se que o proteccionismo e os subsídios retiram aos países pobres 2050 milhões de euros. Ou seja muitíssimo mais daquilo que é o valor da ajuda. Para além disso, os subsídios agrícolas na Europa e EUA representam um contra-senso na lógica que nos é imposta em relação aos mecanismos reguladores da economia. Numa palavra, os profetas do liberalismo de mercado não fazem em casa aquilo que propalam publicamente.
Mais grave ainda: está provado que 40 por cento do valor que se acredita dar aos países pobres é destinado a pagar a consultores internacionais. Na realidade, há hoje mais expatriados em África do que havia no tempo colonial. Quer dizer: uma parte do dinheiro está sendo absorvido pelo circuito dos países ricos. Com este dado, o valor da ajuda desce de 0,25 do orçamento para menos de 0,1 por cento. Afinal, não se está dando tanto quanto os cidadãos dos países ricos acreditam.
O CICLO PERPÉTUO DA DÍVIDA
Os países africanos estão gastando e continuarão indefinidamente gastando mais a pagar o serviço da divida do que a investir na saúde ou na educação. De 1980 a 1990 a totalidade da dívida da África subsahariana mais do que duplicou. Em 1995, as exportações somadas dos países africanos não chegavam para pagar o serviço da dívida. A questão para eles já não era a de pagar ou não pagar mas de sobreviver ou sucumbir.
Quando houver uma decisão sobre o cancelamento será demasiado tarde. Alguém já chamou à dívida uma “guerra por outros meios”. Essa agressão silenciosa não aparece na TV mas é responsável pela morte de meio milhão de crianças em cada ano. Esta guerra faz da filantropia do Ocidente um falhanço anunciado e acabará por desacreditar um sentimento tão nobre como a solidariedade. Os mais miseráveis do continente – a quem se supõe ser destinada a ajuda internacional – pagarão, em cada ano, mais do que aquilo que estão recebendo. A verdade é simples: a dívida é impagável. Nenhum pais africano poderá exercer a sua independência sem que esse fardo tenha sido eliminado. Com este passado não pode haver futuro.
Quando o HIPC [1] se decidiu em 1995 aliviar a dívida de Moçambique nós festejámos. O anúncio do alívio foi feito com pompa e circunstância, um prémio a celebrar o nosso comportamento ajuizado. Afinal, era maior a festa que a razão de festejar. De 113 milhões por ano passou a pagar 100 milhões. Essa redução era, afinal, insignificante. Para se qualificar Moçambique teve que implementar medidas draconianas do Programa de Reajustamento Económico. Essas medidas tiveram impactos dramáticos no país. O tão propalado alívio acabou não libertando fundos que poderiam marcar a diferença no desenvolvimento de Moçambique.
Por outro lado, o que hoje se exige a Moçambique não se exigiu a países da Europa. Depois da grande Guerra, o chamado London Agreement aceitou que a Alemanha pagasse a dívida acumulada aos aliados a uma taxa anual equivalente a 3,5 por cento dos seus rendimentos. Mais do que esse valor era tido como um factor de estrangulamento inaceitável. Porém, mesmo com a tal redução do HIPC, Moçambique pagará 13,5 % do seu rendimento. O que quer dizer que estamos pagando 4 vezes mais que se achou aceitável a Alemanha pagar, numa situação de crise global e em que os preços das matérias-primas estão mais baixos do que nunca.
DAR AOS POBRES A MESMA CHANCE DE EXPERIMENTAR
Os países pobres necessitam ter espaço para realizar os seus próprios debates e ensaios, experimentarem soluções ao seu próprio ritmo. Queremos ter a liberdade de, por exemplo, poder decidir qual o melhor momento para privatizar os serviços públicos. Essa liberdade foi, afinal, conferida aos europeus.
Instituições financeiras internacionais testaram nos países pobres fórmulas que se revelaram desastrosas. Parecia simples: tal como na receita socialista, uma mudança no sistema de propriedade mudaria toda a estrutura da economia. Produziram em embalagens de aplicação fácil os pacotes de reajustamento estrutural, fórmulas miraculosas que nos permitiriam evoluir queimando etapas.
A Moçambique também foi aplicada a mesma receita. Todos esses programas obrigaram a elevar preços pelos serviços públicos, a cortar subsídios e reduzir orçamentos para serviços sociais: toda esta receita resultou em crescente pobreza e desemprego. Hoje, é generalizado aceitar que esses programas não correram bem. Quem paga para recompensar os pobres dessa falhada experiência ?
O caso da castanha de caju de Moçambique é hoje tido como uma ilustração desses falhanços com efeitos catastróficos . Moçambique tinha e tem na castanha de caju um dos seus pilares de exportação. Em poucos anos o sector ficou arruinado, 80 por cento das fábricas fecharam e milhares de operários ficaram sem emprego. De um modo geral, a intervenção na agricultura pautou por uma ingenuidade crassa: a ideia de que intervindo nos preços se acabaria resolvendo tudo o resto.
Os actuais pacotes de redução da pobreza absoluta poderão ser a simples continuação, com outro vestuário, dos Programas de Reajustamento anteriormente falhados.
MORALIZAR AQUILO QUE SE PODE EXIGIR AOS OUTROS
Parte dos que nos pedem não é historicamente realizável. Os países mais pobres devem liberalizar as suas economias num período mais curto do que foi alguma vez exigido aos países desenvolvidos. Algumas vezes, coloca-se como condição de libertação dos fundos o cumprimento de metas que são impraticáveis. Espera-se que façamos em 5 anos aquilo que outros levaram séculos a alcançar. Algumas das nações europeias que nos cobram pela descentralização estão muito longe de cumprir, elas próprias, esse processo de descentralização.
Alguns dos que hoje nos exigem clareza, transparência e boa governação apoiaram golpes de Estado em África, patrocinaram o assassinato de líderes e apoiaram agressões a regimes sob o único pretexto de estarem do lado errado no período da Guerra Fria. Ainda hoje a ajuda que se ergue como um “dever moral” continua sendo condicionada politicamente. Quem fala, por exemplo, da ditadura infame da Guiné Equatorial? Em 1994, a embaixada dos EUA fechou e os americanos romperam com o regime da Guiné Equatorial por acharem inaceitável o regime de Teodoro Obiang. Um ano depois, quando foram descobertas importantes jazidas de petróleo, os EUA regressaram correndo, aceitando aquilo que antes era intolerável. O petróleo é um poderoso diluente de ditaduras.
Algumas das vozes que reclamam moralidade dos regimes africanos estiveram caladas perante a injustiça do apartheid. Ao menos, o meu pequeno país foi capaz de se erguer não apenas contra o poderoso apartheid sul-africano mas contra o regime rodesiano de Ian Smith. Para defendermos essa coerência de princípios perdemos 17 mol milhões de dólares, considerando apenas os custos directos da desestabilização lançada contra o nosso país. Esse dívida financeira e moral não entrará nas contas com a chamada comunidade internacional. Como não entrará nas contas a guerra de desestabilização que por quase duas décadas martirizou a nação moçambicana. Hoje fala-se de guerra civil em Moçambique como se esse conflito tivesse tido apenas contornos endógenos. É preciso não esquecer nunca: essa guerra foi gerada no ventre do apartheid, estava desde o início inscrita na chamada estratégia de agressão total contra os vizinhos da África do Sul.
No meu país o espectro do terrorismo não começou com o Onze de Setembro. Milhares de crianças estão desde há mais de vinte anos espreitando com medo o chão que vão pisar. Mais de um milhão de minas anti-pessoais foi semeada durante a guerra. Milhares desses engenhos mortais continuam semeando o terror no seio de cidadãos inocentes. Quantos dos países ricos que se mobilizam contra terrorismo assinaram a convenção para o banimento da produção de minas ?
O CONVITE PARA A SIMULAÇÃO
A resposta a tudo isto, é claro, deveria vir de dentro dos países pobres. Teríamos que ter agenda, própria, uma estratégia nossa. Forçados a sobreviver no imediato vamos investindo naquilo que são chamadas as “sound policies”: o que é bom é privatizar, descentralizar, cumprir os indicadores da macro-economia. Mesmo sabendo que isso corresponde a uma encenação para agradar aos doadores. É mais importante obedecer cegamente a um valor estipulado para a taxa de inflação do que criar condições de emprego. Estamos produzindo um ambiente económico e social propício para nos qualificarmos para mais ajuda, em vez de criarmos um ambiente propício para o nosso desenvolvimento.
As palavras da moda vão-se sucedendo num léxico descartável: “comunidades locais”, desenvolvimento sustentável, assuntos de géneros, sociedade civil, povos indígenas, comunidades tribais. Nem sempre se entende a substância concreta dessas palavras. Mas elas conduzem a um jogo de sedução reciproca, a uma infindável encenação teatral. Não tarda que nos nossos países – esses a quem se ordena que emagreçam o Estado – surjam Ministérios para a Sociedade Civil, Ministérios das ONGs, Ministérios para a sustentabilidade.
Caros amigos,
Em 1984 eu estava na minha varanda quando vi chegar a tempestade. Na altura não tinha nome, mas uma enorme ventania fez levantar poeiras no chão e ondas no mar, misturando granizo e vento, quebrando vidros, erguendo tectos, espalhando destruição. Depois, o fenómeno levou nome, um nome de mulher como convém a qualquer tempestade que se digne. A tempestade foi chamada de DOMOINA. A minha angústia perante os destroços era: como nos vamos reerguer, em plena guerra e no meio da maior miséria? Mas a solidariedade interna, ainda assim, deitou semente e colheu fruto. Os apoios vieram de dentro e o país encontrou ainda força para se levantar. Em pouco tempo, as feridas estavam curadas e cicatrizadas.
Falamos aqui da cooperação de Moçambique com a Europa e com o Mundo. Mas a primeira grande questão seria como é que Moçambique está cooperando consigo mesmo? Como é que se promove o desenvolvimento a partir de dentro? Este debate tem que ser conduzido dentro de África. Ele já está nascendo com a emergência de jovens que não se satisfazem com o discurso saturado da culpabilização dos outros sempre que analisa a situação interna do continente. O maior desastre de África não é ser pobre mas ter sido empobrecida pela aliança entre a mão exploradora de fora e a mão conivente de dentro.
Trinta anos a pedir apoio cria uma dependência mental que anula o espírito do 25 de Junho. Há toda uma geração de quadros que já raciocina em função do que e a quem se vai pedir. Estamos criando Junhitos, gente que se sonha doméstica e domesticada. O mais grave é que a reprodução dos Junhitos se faz dentro de Moçambique, de forma endógena e indígena.
África não é o continente dos outros, um simples dever moral, um assunto de retórica diplomática. É verdade que compete aos africanos reconquistarem a sua credibilidade como parceiros. Mas os africanos não poderão fazê-lo no quadro actual da governação mundial. A verdadeira ajuda será não dar mais mas lutarmos juntos, europeus e africanos, para mudar esta teia de relações. Precisamos de uma ajuda que nos torne menos dependentes da ajuda, temos que construir uma dependência progressivamente menos dependente.
Por enquanto, o que vamos fazendo nós, doadores e receptores, é tocar a duas mãos uma valsa que esconde uma irresolúvel agonia. No final, o continente africano poderá ter mais algumas escolas, mais alguns hospitais. Mas não terá gerado recursos próprios nem desenvolvido as forças produtivas.
Há 30 anos os moçambicanos venceram um poderoso exército desencadeando uma luta de pequenos grupos de guerrilha. Ainda hoje as vitórias que conseguirmos serão por via dessa persistência guerrilheira. Não há grandes soluções, grandes reviravoltas que façam endireitar o eixo da Terra. A nossa soberania (e também a vossa soberania) está nessa fresta, nesse intervalo. O que necessitamos é de um maior diálogo, maior comparticipação e reciprocidade dos mecanismos de controle dos dinheiros e dos compromissos assumidos. O que necessitamos é de nos tornarmos parceiros de verdade.
Termino confessando-vos um sonho, um desejo. Os trinta anos de Independência não são apenas um momento já vivido. São um tempo vivo cujas potencialidades ainda se irão revelar por inteiro. O nosso passado, desde 1975, é um futuro. Uma semente que está dando árvore. Queremos ter direito à sombra dessa grande árvore. E queremos partilhar essa promessa de felicidade com os nossos irmãos da Suíça. Porque também eles, os suíços, nos ajudaram a semear esse futuro.
16/Junho/2005
[1] HIPC: Heavily Indebted Poor Countries .
O original encontra-se em
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
Moçambique – 30 anos de Independência
por Mia Couto
NO PASSADO, O FUTURO ERA MELHOR?
Nasci e cresci numa pequena cidade colonial, num mundo que já morreu. Desde cedo, aprendi que devia viver contra o meu próprio tempo. A realidade colonial estava ali, no quotidiano, arrumando os homens pela raça, empurrando os africanos para além dos subúrbios. Eu mesmo, privilegiado pela minha cor da pele, era tido como um “branco de segunda categoria”. Todos os dias me confrontava com a humilhação dos negros descalços e obrigados a sentarem-se no banco de trás dos autocarros, no banco de trás da Vida. Na minha casa vivíamos paredes-meias com o medo, perante a ameaça de prisão que pesava sobre o meu pai que era jornalista e nos ensinava a não baixar os olhos perante a injustiça. A independência nacional era para mim o final desse universo de injustiças. Foi por isso que abracei a causa revolucionária como se fosse uma predestinação. Cedo me tornei um membro da Frente de Libertação de Moçambique e a minha vida foi, durante um tempo, guiada por um sentimento épico de estarmos criando uma sociedade nova.
No dia da Independência de Moçambique eu tinha 19 anos. Alimentava, então, a expectativa de ver subir num mastro uma bandeira para o meu país. Eu acreditava, assim, que o sonho de um povo se poderia traduzir numa simples bandeira. Em 1975, eu era jornalista, o mundo era a minha igreja, os homens a minha religião. E tudo era ainda possível.
Na noite de 24 de Junho, juntei-me a milhares de outros moçambicanos no Estádio da Machava para assistir à proclamação da Independência Nacional, que seria anunciada na voz rouca de Samora Moisés Machel. O anúncio estava previsto para a meia-noite em ponto. Nascia o dia, alvorecia um país. Passavam 20 minutos da meia-noite e ainda Samora não emergira no pódio. De repente, a farda guerrilheira de Samora emergiu entre os convidados. Sem dar confiança ao rigor do horário, o Presidente proclamou: “às zero horas de hoje, 25 de Junho...“. Um golpe de magia fez os ponteiros recuarem. A hora ficou certa, o tempo ficou nosso.
Não esqueço nunca os rostos iluminados por um irrepetível encantamento, não esqueço os gritos de euforia, os tiros dos guerrilheiros anunciando o fim de todas as guerras. Havia festa, a celebração de sermos gente, termos chão e merecermos céu. Mais que um país celebrávamos um outro destino para nossas vidas. Quem tinha esperado séculos não dava conta de vinte minutos a mais.
Trinta anos depois poderíamos ainda fazer recuar os ponteiros do tempo? A mesma crença mora ainda no cidadão moçambicano? Não, não mora. Nem podia morar. Em 1975, nós mantínhamos a convicção legítima mas ingénua de que era possível, no tempo de uma geração, mudarmos o mundo e redistribuirmos felicidade. Não sabíamos quanto o mundo é uma pegajosa teia onde uns são presas e outros predadores.
Trinta anos é quase nada na história de um país. Estamos já distantes da injustiça colonial. Mas estamos ainda longe de cumprir o sonho que nos fez cantar e dançar na noite de 25 de Junho. Uma parte dessa expectativa ficou por realizar. Hoje já não acorreríamos com a mesma fé para celebrar uma nova anunciação. Mas isso não quer dizer que estamos menos disponíveis para a crença. Estaremos, sim, mais conscientes que tudo pede um caminho e um tempo.
Poderemos recorrer a explicações, apontar dedos acusadores. Tudo isso será pouco produtivo. Não se pode esperar que um país saído do atraso da dominação colonial possa realizar aquilo que velhas nações independentes estão ainda construindo. Moçambique está aprendendo a ser soberano num mundo que aceita muito pouco a soberania dos outros. O céu que parecia infinito foi ficando estreito para as chamadas pequenas bandeiras.
No mesmo ano em que se desintegrava o império colonial português, em 1975, os Estados Unidos da América eram derrotados no Vietname. O tempo parecia correr a favor dos povos “pequenos”, capazes de enfrentar a arrogância dos poderosos. Essas vitórias criaram a ilusão de que um mundo mais justo estava despontando. Mas o sistema mundial cedo se reajustou desses revezes. A Independência de Moçambique teve que enfrentar uma dualidade: representou uma ruptura com o colonialismo mas, ao mesmo tempo, funcionou como um passo para uma maior integração num sistema capitalista que se globalizava. A essa condição ambivalente não poderíamos escapar.
Meus senhores e minha senhoras,
Caros amigos
No meu romance Terra Sonâmbula criei um personagem que, por nascer no dia da Independência, a vinte e cinco de Junho, foi baptizado de Junhito. A história decorre no decurso da nossa guerra civil que se prolongou durante 16 anos.
Certa noite, o pai de Junhito é assaltado por um pressentimento: o seu filho iria morrer em breve. Era isso o que a guerra reclamava: a morte desse que nascera em Junho. Para salvar o filho, a família resolveu transferi-lo para a capoeira que ficava no quintal. Ali Junhito aprenderia a comportar-se como as galinhas, comendo as sobras e dormindo ao relento. Resignado a sobreviver sem glória, sem brilho, sem substância.
Junhito foi-se tornando numa sombra e, em casa, os familiares estavam proibidos até de mencionar o seu nome. A mãe, mesmo ela, parecia conformada. Contudo, às escondidas da noite, ela visitava a capoeira. Sentava-se no escuro e cantava uma canção de embalar, a mesma que servira para adormecer os outros irmãos. Junhito, de início, acompanhava a mãe no canto. Mas depois, o menino já nem sabia soletrar as humanas palavras. Esganiçava uns cóós e ajeitava a cabeça por baixo do braço. E assim adormecia, sonhando que, certa vez, teria sido um homem.
A metáfora no romance é simples, quase linear. Na altura, eu denunciava a nossa progressiva perda de soberania, e uma crescente domesticação do nosso espirito de ousadia. Poderíamos ser nação mas não demasiado, poderíamos ser povo mas apenas se bem comportado.
Num processo difícil e conflituoso, Moçambique criou a reputação de ser um caso de excepção em África. Esse bom-nome, devo dizer, é merecido. Esse prestígio foi conquistado, não é uma prenda de nenhum paternalismo. Fomos capazes de produzir a Paz. Fomos capazes de criar democracia formal, de construir estabilidade e de garantir liberdades de expressão e de pensamento. Tenho orgulho nesse processo. Mas tenho também receio. Porque o caminho que percorremos não foi exactamente escolhido por nós, nem está sendo testado à medida da nossa vontade. O nosso êxito não pode continuar a ser medido apenas pelo sucesso da aplicação de um directório de receitas políticas e financeiras. Ao contrário, deveríamos ser valorizados pelo modo como repensamos criativamente o nosso lugar no mundo.
Nos gloriosos anos da luta de libertação nós gritávamos “Independência ou Morte, Venceremos”. Hoje sabemos: a independência não é mais do que a possibilidade de escolhermos as nossas dependências. Na década de 70, o mundo oferecia a possibilidade de diferentes opções e alianças estratégicas. Hoje as economias nacionais perfilam-se perante um modelo sem alternativa. Escolhemos o que outros escolheram por nós. Uma parte da nossa alma foi já, mesmo sem o sabermos, conduzida para a capoeira e ali esquece a irreverência, a originalidade e o desejo de ser único.
A redução da soberania não é um processo que esteja atingindo especificamente Moçambique. É um processo generalizado. Todas nações são hoje menos nacionais, todo o cidadão é menos dono do se mesmo. Uns dizem que, agora, somos todos mundo. Mas ninguém pode ser do mundo se não tiver a sua pequena aldeia.
COMO A EUROPA VÊ ÁFRICA
Os continentes são, sobretudo, representações feitas e refeitas de acordo com os tempos. A África de hoje é uma coprodução euro-afro-americana. A versão mais recente dessa coprodução é marcada pela morte e decadência. Cadeias de TV estão confirmando essa agonia, entre doenças e guerras. O excesso de imagens dos dramas de África teve um efeito perverso: o continente deixou de ser visível. Perdeu visibilidade porque tudo parece estar já visto. Aos olhos do resto do mundo, África (ou uma parte dela) deixou de existir. Do mapa cor-de-rosa se passou ao monocromático mapa do desespero.
O apocalipse africano esteve demasiado tempo na montra, foi excessivamente filmado, fotografado, torcido e retorcido para uso da compaixão. Deixou de existir disponibilidade para entender o que está por detrás dessas imagens. Afinal, a fome a guerra são apenas os sinais de uma tragédia mais funda e mais antiga. Essa tragédia assenta em razões internas mas assenta também no lugar periférico de África e nas trocas desiguais do comércio internacional.
Uma certa esquerda europeia transitou da simpatia para um pessimismo militante. A lágrima solidária foi substituída pela indiferença e pelo descrédito. Os africanos, por seu turno, foram eternizando um sentimento de culpabilização dos outros, acreditando tratar-se da continuação de um “complot” antigo para os dizimar.
De um e outro lado, se acumularam desilusões e impaciências. Uma mesma ignorância do Outro foi transitando ao longo da História. Aos profetas do socialismo seguiram-se os profetas do neoliberalismo agitando apressadas receitas financeiras para salvar os pobres. Mas a pobreza insiste, teimosa como uma incurável doença que nos devora do outro lado do Mediterrâneo.
A opção para os países doadores parece simples: dar mais ou deixar de dar. As recentes notícias mostram que, nos próximos tempos, se irá dar um pouco mais. Pelo menos em algumas nações terá vencido a alternativa mais humanitária. Contudo, poucos se interrogarão sobre a necessidade de mudar a qualidade da relação entre o Norte e o Sul.
COMO NÓS VEMOS A SUÍÇA
A Suíça já foi para muitos moçambicanos não um país mas o nome de uma missão religiosa. A Missão Suíça implantou-se no Sul de Moçambique, enfrentando terríveis suspeitas do regime colonial português. Henri Junod foi expulso de Moçambique em 1895 porque ensinava as chamadas “línguas dos nativos”. O missionário ajudava moçambicanos como Eduardo Mondlane a moçambicanizarem-se enquanto, nesse processo, ele mesmo se africanizava, acabando por solicitar que fosse enterrado em terras de Moçambique.
Setenta anos mais tarde, um outro suíço converteu-se numa figura de dimensão quase mitológica. Tratava-se do médico René Gagnaux, uma espécie de filantropo da nova vaga, um homem que dedicou a sua vida a atender os mais pobres. A Suíça, para muitos, era a terra do Gagnaux. Um dos seus filhos, agora moçambicano, lidera uma das principais forças políticas a nível da cidade de Maputo.
Hoje temos da Suíça uma percepção mais moderna e designamo-la por via de um nome curioso: “país doador”. O mundo está hoje dividido entre os que dão e os que recebem. Como se fosse uma condição natural, genética, perpétua. Nós, os receptores daquilo que se chama “ajuda” já tivemos outros nomes: fomos Terceiro Mundo, países em vias desenvolvimento, territórios do Sul, países subdesenvolvidos, nações da periferia.
A dança dos nomes não terminou. Agora, no quadro do politicamente corrigido, nós temos, pela primeira vez, o direito de partilhar de um mesmo nome: somos ambos, ricos e pobres, chamados de “parceiros”. Este novo nome é mais simpático mas ele colide com uma questão de princípio: não se resolve nas palavras aquilo que não está resolvido na substância.
AS MÚTUAS ATRIBUIÇÕES DE CULPAS
O embaixador da Suíça em Moçambique, o meu amigo Dr. Adrian Hadorn, é testemunha da minha insistente intervenção em Moçambique para combater a tendência de vitimização por parte dos africanos. Enquanto continuarmos culpando os europeus pelos nossos próprios falhanços não seremos capazes de nos olharmos para nós próprios como principal motor da mudança. Assumir a condição de sujeito histórico: esse era o maior e mais instigante desafio da Independência Nacional.
É infindável a soma de argumentos para justificar a cleptocracia e a corrupção dentro de continente africano. Alguns intelectuais africanos vêm na importação de modelos externos a origem de todos os males. Esta justificação encontra espaço em alguns doadores. Na linguagem moderna dos relatórios dos consultores este problema seria assim reportado: “falta de ownership das reformas estruturais”. Impostas de fora, essas reformas não poderiam ser implementadas. Mas tudo indica que, ao contrário, parte dessas reformas foram rápida e profundamente apropriadas por elites nacionais que as usaram a favor do seu próprio enriquecimento. O problema não parece estar na origem dos modelos mas na sua natureza política. Os africanos africanizaram a mandioca. As elites fizeram o mesmo com as reformas estruturais.
Se alguns africanos acham que a culpa é apenas dos europeus, no sentido inverso, europeus há que acreditam que a culta cabe apenas aos africanos. Uma relação mais saudável entre uns e outros obrigaria a rupturas profundas, implicava poder começar de novo. Mas esse retorno ao grau zero não existe na História. Compete-nos questionar os pressupostos do nosso relacionamento recíproco.
Elegi para este pequeno texto alguns tópicos soltos. Não sou economista, sou um escritor cuja paixão reside num mundo que não existe. Mas não posso focar indiferente perante alguns assuntos que determinam o nosso destino comum. Eis algumas das interrogações que gostaria de partilhar convosco.
O FALSO SENTIMENTO DE DESPERDÍCIO
A opinião pública na Europa e nos EUA mantém a ideia de que África pode sair da situação de crise se gerir bem os fundos doados. A ajuda apenas é insuficiente porque é mal usada.
É certo que parte das doações tem sido desviada em benefício de elites minoritárias. Algumas dessas fortunas roubadas estão aqui, bem no coração da Europa, na forma de criminosas contas bancárias. Mas a grande verdade é que, mesmo bem usada, a actual ajuda não resolveria os problemas vitais das nações empobrecidas. Pelo contrário, o actual quadro da ajuda poderá estar agravando a condição de miséria do Terceiro Mundo.
Regressemos à ideia dominante de que os valores da ajuda são astronómicos. Na verdade, é necessário colocar essas quantias no devido contexto. Os cidadãos americanos acreditam, por exemplo, que o seu país destina 15 a 20 por cento do seu Orçamento para a ajuda externa. Estão errados. Os EUA gastam menos de 1 por cento nessa ajuda, uma ninharia comparada com os milhões que o governo paga por ano aos fornecedores de armamento.
Um escritor sabe contar, não sabe fazer contas. Mas um economista amigo ajudou-me a fazer umas somas e gostaria de partilhar os resultados convosco. Com os 175 mil milhões de dólares que os EUA já gastaram na guerra do Iraque desde Marco de 2003 seria possível fazer o seguinte:
1) Instalar 40 mil pequenas e médias empresas produtivas relativamente modernas e competitivas na África Subsahariana, gerando directamente 12 milhões de novos postos de trabalho com salários e condições de trabalho acima da actual média. Deste modo se arrancaria de forma permanente cerca de 60 milhões de Africanos das malhas da pobreza. Além disto, este investimento tornaria possível às economias africanas tirarem proveito efectivo das oportunidades comerciais que hoje já existem, como sejam o caso do AGOA (comércio preferencial com os EUA) e o EBA ( everything-but-arms, comércio preferencial com a União Europeia). Isto significa que num espaço de tempo relativamente curto, o Produto Interno Bruto per capita da África Subsahariana poderia ser triplicado, não à custa de ajuda mas com base em desenvolvimento e crescimento real da economia e uma melhor distribuição do rendimento gerado.
2) Além dessas empresas, com o dinheiro gasto no Iraque seria possível também construir mais 600 escolas técnico-profissionais de alta qualidade, onde poderiam ser formados, todos os anos, cerca de 300 mil trabalhadores qualificados para impulsionarem o desenvolvimento da agricultura, agro-indústria, pesca, indústria, turismo, serviços, etc. Este treinamento permitiria que as empresas mencionadas acima pudessem funcionar bem com força de trabalho qualificada, com repercussões imediatas na produtividade e do nível de vida da maioria dos Africanos.
Ou refazendo as contas: os milhares de milhões de dólares gastos no Iraque são suficientes para empregar mais 4 milhões de professores primários por um ano, ou para imunizar todas as crianças do Mundo contra diferentes doenças por 58 anos, ou para alimentar o Mundo durante os próximos 7 anos, ou ainda para terminar com o flagelo da malária em África e construir 2 milhões de novas habitações básicas.
Estes outros destinos a serem concedidos aos milhares de milhões de dólares talvez fossem uma forma mais efectiva de combater a insegurança. Porque há um terror invisível que pode estar alimentando o terrorismo internacional. Esse é o terror da fome, da pobreza, da ignorância, o terrorismo do desespero perante a impossibilidade de mudar a vida.
Caros senhores,
Finalmente, quase nenhuma das nações desenvolvidas cumpriu aquilo que foi estipulado há trinta anos pelas Nações Unidas: destinar 0,7 por cento do seu orçamento para a ajuda externa. Em média, esse apoio não ultrapassa hoje os 0,25 por cento. Como se pode ver, não são apenas os países pobres que não estão cumprindo as obrigações internacionalmente assumidas.
O mais grave, porém, é que aquilo que nos é dado numa mão nos é retirado pela outra mão. Calcula-se que o proteccionismo e os subsídios retiram aos países pobres 2050 milhões de euros. Ou seja muitíssimo mais daquilo que é o valor da ajuda. Para além disso, os subsídios agrícolas na Europa e EUA representam um contra-senso na lógica que nos é imposta em relação aos mecanismos reguladores da economia. Numa palavra, os profetas do liberalismo de mercado não fazem em casa aquilo que propalam publicamente.
Mais grave ainda: está provado que 40 por cento do valor que se acredita dar aos países pobres é destinado a pagar a consultores internacionais. Na realidade, há hoje mais expatriados em África do que havia no tempo colonial. Quer dizer: uma parte do dinheiro está sendo absorvido pelo circuito dos países ricos. Com este dado, o valor da ajuda desce de 0,25 do orçamento para menos de 0,1 por cento. Afinal, não se está dando tanto quanto os cidadãos dos países ricos acreditam.
O CICLO PERPÉTUO DA DÍVIDA
Os países africanos estão gastando e continuarão indefinidamente gastando mais a pagar o serviço da divida do que a investir na saúde ou na educação. De 1980 a 1990 a totalidade da dívida da África subsahariana mais do que duplicou. Em 1995, as exportações somadas dos países africanos não chegavam para pagar o serviço da dívida. A questão para eles já não era a de pagar ou não pagar mas de sobreviver ou sucumbir.
Quando houver uma decisão sobre o cancelamento será demasiado tarde. Alguém já chamou à dívida uma “guerra por outros meios”. Essa agressão silenciosa não aparece na TV mas é responsável pela morte de meio milhão de crianças em cada ano. Esta guerra faz da filantropia do Ocidente um falhanço anunciado e acabará por desacreditar um sentimento tão nobre como a solidariedade. Os mais miseráveis do continente – a quem se supõe ser destinada a ajuda internacional – pagarão, em cada ano, mais do que aquilo que estão recebendo. A verdade é simples: a dívida é impagável. Nenhum pais africano poderá exercer a sua independência sem que esse fardo tenha sido eliminado. Com este passado não pode haver futuro.
Quando o HIPC [1] se decidiu em 1995 aliviar a dívida de Moçambique nós festejámos. O anúncio do alívio foi feito com pompa e circunstância, um prémio a celebrar o nosso comportamento ajuizado. Afinal, era maior a festa que a razão de festejar. De 113 milhões por ano passou a pagar 100 milhões. Essa redução era, afinal, insignificante. Para se qualificar Moçambique teve que implementar medidas draconianas do Programa de Reajustamento Económico. Essas medidas tiveram impactos dramáticos no país. O tão propalado alívio acabou não libertando fundos que poderiam marcar a diferença no desenvolvimento de Moçambique.
Por outro lado, o que hoje se exige a Moçambique não se exigiu a países da Europa. Depois da grande Guerra, o chamado London Agreement aceitou que a Alemanha pagasse a dívida acumulada aos aliados a uma taxa anual equivalente a 3,5 por cento dos seus rendimentos. Mais do que esse valor era tido como um factor de estrangulamento inaceitável. Porém, mesmo com a tal redução do HIPC, Moçambique pagará 13,5 % do seu rendimento. O que quer dizer que estamos pagando 4 vezes mais que se achou aceitável a Alemanha pagar, numa situação de crise global e em que os preços das matérias-primas estão mais baixos do que nunca.
DAR AOS POBRES A MESMA CHANCE DE EXPERIMENTAR
Os países pobres necessitam ter espaço para realizar os seus próprios debates e ensaios, experimentarem soluções ao seu próprio ritmo. Queremos ter a liberdade de, por exemplo, poder decidir qual o melhor momento para privatizar os serviços públicos. Essa liberdade foi, afinal, conferida aos europeus.
Instituições financeiras internacionais testaram nos países pobres fórmulas que se revelaram desastrosas. Parecia simples: tal como na receita socialista, uma mudança no sistema de propriedade mudaria toda a estrutura da economia. Produziram em embalagens de aplicação fácil os pacotes de reajustamento estrutural, fórmulas miraculosas que nos permitiriam evoluir queimando etapas.
A Moçambique também foi aplicada a mesma receita. Todos esses programas obrigaram a elevar preços pelos serviços públicos, a cortar subsídios e reduzir orçamentos para serviços sociais: toda esta receita resultou em crescente pobreza e desemprego. Hoje, é generalizado aceitar que esses programas não correram bem. Quem paga para recompensar os pobres dessa falhada experiência ?
O caso da castanha de caju de Moçambique é hoje tido como uma ilustração desses falhanços com efeitos catastróficos . Moçambique tinha e tem na castanha de caju um dos seus pilares de exportação. Em poucos anos o sector ficou arruinado, 80 por cento das fábricas fecharam e milhares de operários ficaram sem emprego. De um modo geral, a intervenção na agricultura pautou por uma ingenuidade crassa: a ideia de que intervindo nos preços se acabaria resolvendo tudo o resto.
Os actuais pacotes de redução da pobreza absoluta poderão ser a simples continuação, com outro vestuário, dos Programas de Reajustamento anteriormente falhados.
MORALIZAR AQUILO QUE SE PODE EXIGIR AOS OUTROS
Parte dos que nos pedem não é historicamente realizável. Os países mais pobres devem liberalizar as suas economias num período mais curto do que foi alguma vez exigido aos países desenvolvidos. Algumas vezes, coloca-se como condição de libertação dos fundos o cumprimento de metas que são impraticáveis. Espera-se que façamos em 5 anos aquilo que outros levaram séculos a alcançar. Algumas das nações europeias que nos cobram pela descentralização estão muito longe de cumprir, elas próprias, esse processo de descentralização.
Alguns dos que hoje nos exigem clareza, transparência e boa governação apoiaram golpes de Estado em África, patrocinaram o assassinato de líderes e apoiaram agressões a regimes sob o único pretexto de estarem do lado errado no período da Guerra Fria. Ainda hoje a ajuda que se ergue como um “dever moral” continua sendo condicionada politicamente. Quem fala, por exemplo, da ditadura infame da Guiné Equatorial? Em 1994, a embaixada dos EUA fechou e os americanos romperam com o regime da Guiné Equatorial por acharem inaceitável o regime de Teodoro Obiang. Um ano depois, quando foram descobertas importantes jazidas de petróleo, os EUA regressaram correndo, aceitando aquilo que antes era intolerável. O petróleo é um poderoso diluente de ditaduras.
Algumas das vozes que reclamam moralidade dos regimes africanos estiveram caladas perante a injustiça do apartheid. Ao menos, o meu pequeno país foi capaz de se erguer não apenas contra o poderoso apartheid sul-africano mas contra o regime rodesiano de Ian Smith. Para defendermos essa coerência de princípios perdemos 17 mol milhões de dólares, considerando apenas os custos directos da desestabilização lançada contra o nosso país. Esse dívida financeira e moral não entrará nas contas com a chamada comunidade internacional. Como não entrará nas contas a guerra de desestabilização que por quase duas décadas martirizou a nação moçambicana. Hoje fala-se de guerra civil em Moçambique como se esse conflito tivesse tido apenas contornos endógenos. É preciso não esquecer nunca: essa guerra foi gerada no ventre do apartheid, estava desde o início inscrita na chamada estratégia de agressão total contra os vizinhos da África do Sul.
No meu país o espectro do terrorismo não começou com o Onze de Setembro. Milhares de crianças estão desde há mais de vinte anos espreitando com medo o chão que vão pisar. Mais de um milhão de minas anti-pessoais foi semeada durante a guerra. Milhares desses engenhos mortais continuam semeando o terror no seio de cidadãos inocentes. Quantos dos países ricos que se mobilizam contra terrorismo assinaram a convenção para o banimento da produção de minas ?
O CONVITE PARA A SIMULAÇÃO
A resposta a tudo isto, é claro, deveria vir de dentro dos países pobres. Teríamos que ter agenda, própria, uma estratégia nossa. Forçados a sobreviver no imediato vamos investindo naquilo que são chamadas as “sound policies”: o que é bom é privatizar, descentralizar, cumprir os indicadores da macro-economia. Mesmo sabendo que isso corresponde a uma encenação para agradar aos doadores. É mais importante obedecer cegamente a um valor estipulado para a taxa de inflação do que criar condições de emprego. Estamos produzindo um ambiente económico e social propício para nos qualificarmos para mais ajuda, em vez de criarmos um ambiente propício para o nosso desenvolvimento.
As palavras da moda vão-se sucedendo num léxico descartável: “comunidades locais”, desenvolvimento sustentável, assuntos de géneros, sociedade civil, povos indígenas, comunidades tribais. Nem sempre se entende a substância concreta dessas palavras. Mas elas conduzem a um jogo de sedução reciproca, a uma infindável encenação teatral. Não tarda que nos nossos países – esses a quem se ordena que emagreçam o Estado – surjam Ministérios para a Sociedade Civil, Ministérios das ONGs, Ministérios para a sustentabilidade.
Caros amigos,
Em 1984 eu estava na minha varanda quando vi chegar a tempestade. Na altura não tinha nome, mas uma enorme ventania fez levantar poeiras no chão e ondas no mar, misturando granizo e vento, quebrando vidros, erguendo tectos, espalhando destruição. Depois, o fenómeno levou nome, um nome de mulher como convém a qualquer tempestade que se digne. A tempestade foi chamada de DOMOINA. A minha angústia perante os destroços era: como nos vamos reerguer, em plena guerra e no meio da maior miséria? Mas a solidariedade interna, ainda assim, deitou semente e colheu fruto. Os apoios vieram de dentro e o país encontrou ainda força para se levantar. Em pouco tempo, as feridas estavam curadas e cicatrizadas.
Falamos aqui da cooperação de Moçambique com a Europa e com o Mundo. Mas a primeira grande questão seria como é que Moçambique está cooperando consigo mesmo? Como é que se promove o desenvolvimento a partir de dentro? Este debate tem que ser conduzido dentro de África. Ele já está nascendo com a emergência de jovens que não se satisfazem com o discurso saturado da culpabilização dos outros sempre que analisa a situação interna do continente. O maior desastre de África não é ser pobre mas ter sido empobrecida pela aliança entre a mão exploradora de fora e a mão conivente de dentro.
Trinta anos a pedir apoio cria uma dependência mental que anula o espírito do 25 de Junho. Há toda uma geração de quadros que já raciocina em função do que e a quem se vai pedir. Estamos criando Junhitos, gente que se sonha doméstica e domesticada. O mais grave é que a reprodução dos Junhitos se faz dentro de Moçambique, de forma endógena e indígena.
África não é o continente dos outros, um simples dever moral, um assunto de retórica diplomática. É verdade que compete aos africanos reconquistarem a sua credibilidade como parceiros. Mas os africanos não poderão fazê-lo no quadro actual da governação mundial. A verdadeira ajuda será não dar mais mas lutarmos juntos, europeus e africanos, para mudar esta teia de relações. Precisamos de uma ajuda que nos torne menos dependentes da ajuda, temos que construir uma dependência progressivamente menos dependente.
Por enquanto, o que vamos fazendo nós, doadores e receptores, é tocar a duas mãos uma valsa que esconde uma irresolúvel agonia. No final, o continente africano poderá ter mais algumas escolas, mais alguns hospitais. Mas não terá gerado recursos próprios nem desenvolvido as forças produtivas.
Há 30 anos os moçambicanos venceram um poderoso exército desencadeando uma luta de pequenos grupos de guerrilha. Ainda hoje as vitórias que conseguirmos serão por via dessa persistência guerrilheira. Não há grandes soluções, grandes reviravoltas que façam endireitar o eixo da Terra. A nossa soberania (e também a vossa soberania) está nessa fresta, nesse intervalo. O que necessitamos é de um maior diálogo, maior comparticipação e reciprocidade dos mecanismos de controle dos dinheiros e dos compromissos assumidos. O que necessitamos é de nos tornarmos parceiros de verdade.
Termino confessando-vos um sonho, um desejo. Os trinta anos de Independência não são apenas um momento já vivido. São um tempo vivo cujas potencialidades ainda se irão revelar por inteiro. O nosso passado, desde 1975, é um futuro. Uma semente que está dando árvore. Queremos ter direito à sombra dessa grande árvore. E queremos partilhar essa promessa de felicidade com os nossos irmãos da Suíça. Porque também eles, os suíços, nos ajudaram a semear esse futuro.
16/Junho/2005
[1] HIPC: Heavily Indebted Poor Countries .
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quarta-feira, dezembro 22, 2010
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segunda-feira, dezembro 20, 2010
Viver Casado com o Melhor do Divórcio
Modern Love
Honey, Let’s Get a Little Divorced By RACHEL ZUCKER
Published: December 2, 2010
MY husband and I recently celebrated a milestone. It was the day we’d been married for 13 years, 2 months and about a week: the day our marriage outlasted my parents’ marriage.
The actual day isn’t so significant; after all, my parents were separated for more than a year before their divorce was final, and their marriage had been a mess for years before that. Still, staying married longer than my parents felt like a measure of success worthy of consideration. My husband and I had already passed the point where his parents had divorced, and our sons are older than my husband and his brother were when their father moved out.
When it comes to marital longevity, being the adult children of divorce actually has its advantages. Because of remarriage, our sons have seven grandparents, all of whom are motivated to help us because they have experienced how fragile marriage can be.
And my husband’s and my shared history of growing up in joint custody, dealing with step-parents and surviving the painful effects of divorce helped bring us together and is something we reference to keep our marriage strong. Almost every day of our honeymoon, and off and on throughout our newlywed year, one of us would say: “Hey, honey, let’s get divorced for five seconds, O.K.? Great, now that that’s out of the way ...”
People look askance when we joke like this and laugh uncomfortably when my husband (still) introduces me as his “first wife.” But the gallows humor is something positive, part of what made us seek out couples therapy instead of throwing in the towel when things got tough, part of what made my husband say, “No, I will not,” when I asked him to leave during a rough patch in our seventh year of marriage. The real possibility of divorce and the firsthand experience of how marriages fail have made us fight for ours rather than take it for granted.
A good marriage, of course, isn’t just about how long you stay together, and ours is successful for more than its longevity. Although I often complain about being married (and have written a book of poems called “The Bad Wife Handbook,” about the difficulties of monogamy), I love my husband, I love being married and I’m committed to staying married. So, as I reach the end of my 30s and see many of my cohort splitting up, I’m surprised that while I feel sad for them, I also feel a fair amount of envy.
Sure, the divorced parents’ children seemed shellshocked, there are financial complications and post-marriage dating seems terrifying. But I’ve heard the phrase “He’s such a great dad ever since the divorce” so often and been told so many stories about post-marriage women following long-thwarted dreams and “finding themselves” in deeply satisfying ways that I’m starting to wonder if there isn’t something my husband and I (and even our children) are missing by staying married. I’ve begun to wonder if there isn’t something positive about divorce that we could incorporate into our marriage.
Which is why, on a recent date night, I said in all seriousness to my husband, “Honey, I think we need to act a little more divorced.”
Without missing a beat, he asked, “Does ‘acting divorced’ mean I get to sleep with other women?”
No, was my instant and adamant answer. I’m sure there are marriages that survive or are even strengthened by infidelity — certainly there is the European model of long marriages that include mistresses and kept men. But I know I’m not capable of that kind of arrangement.
“Sorry,” I told my husband, who admitted he wasn’t up for that kind of complexity, either. “I’m talking about you being a more in-charge dad and me being a more independent woman.”
When I told my friend Joan about my plan to act a little more divorced, she said, “Aren’t you just wanting him to man up?”
“Man up” is a funny phrase, given the context, because what she means in part is: Don’t I want him to be more like a wife and mother?
Maybe.
“Mother Nature,” theorizes that the huge cultural differences between men and women can be traced to small things, like the fact that mothers respond slightly faster to crying infants than fathers do, and that over time these seemingly minor differences result in significant discrepancies between maternal and paternal investment of daily time and energy.
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More Modern Love ColumnsMaybe what I mean by “acting divorced” is that I want us to renew our vows not of marriage but of egalitarianism. My husband is a feminist, but somehow I’ve taken charge of the lioness’s share of our domestic responsibilities even though he doesn’t make more money or work longer hours than I do. And the more I do, the more helpless and unhelpful he becomes. Our parenting sometimes resembles a game of chicken, and I almost always lose.
When my husband and I met, he was running a short-term business enterprise. For a week he planned the menus, bought the groceries and cooked two meals a day for a troupe of 80 actors performing in the Yale commencement musical. I reminded him of this (somewhat angrily) the other night when he was flummoxed by the task of preparing pasta, jarred sauce and broccoli (that I’d already cooked and put in the refrigerator).
“Maybe I just need to make my own things,” he said, following me around as I set the table for a dinner I would not be eating.
“Great!” I said, knowing he’d never take the initiative.
Standing in front of the open refrigerator (but unable for some reason to find the broccoli), he rhapsodized about the “dragon puke” avocado omelets his father, Jerry, used to make on weekends at Dad’s. What I would have pointed out to him, if I hadn’t needed to rush off to teach a class, was that these days Grandpa Jerry routinely makes elaborate dinners for his wife and young son because in the years between his marriages he became a fantastic cook.
It bothers me that I do more than half the work, even if this inequality may have developed because I was better at these things or had trouble ceding control. It bothers me that our marriage — efficient and loving though it mostly is — has caused both of us to let valuable skills and abilities atrophy and to become less than our best selves.
Although my husband is far more social than I am, he has failed to maintain any of his independent friendships. Last year, when I was offered the opportunity to go to Paris, I turned it down because I worried about how our children would feel if I was away for a week, and figured I’d probably feel too guilty and distracted to enjoy the trip anyway.
WHAT really bothers me, though, is that when I ask my husband, “Do you think you’d be a better father if I died?” the answer is easy: “Yes.” And when I ask if he’d be a better father if we were divorced, the answer is, “Probably.” My husband supports me in my work but also resents my work because it competes with the family for my attention and energy. Would I be more “liberated” without him? Absolutely.
In a perfect world, divorce offers mothers an opportunity to reclaim their independence and sense of self. And it offers fathers the opportunity to parent without someone looking over their shoulders and micromanaging them, without someone who is always doing domestic chores or child care “better” and a little faster. In this fantasy world, both men and women have the opportunity to feel like autonomous people who can and must take responsibility for their own lives and choices. Shouldn’t married people live like this as well?
As I write this, I’m spending three days away from my family. I’m working hard and living on my own schedule and loving every second of it and (mostly) not feeling guilty. Meanwhile, my husband is at home, probably feeding the kids junk and letting them stay up too late. I’m not going to ask. And I’m not going to criticize.
I’m going to try to follow my version of the Zen admonition to live as if you have already died by trying to be married as if I had already been divorced. I’m going to imagine that this is our joint custody arrangement until Friday, when I get to return to my sweet and imperfect husband because truly I am his wife and have been for 13 years, 2 months and several weeks. And I wouldn’t want it any other way.
Rachel Zucker lives in New York City. Her latest book of poems is “Museum of Accidents” (Wave Books). E-mail: modernlove@nytimes.com
This article has been revised to reflect the following correction:
Correction: December 12, 2010
The Modern Love column last Sunday, about using certain aspects of divorce to improve a marriage, misstated the title of a book by Sarah Blaffer Hrdy that examines maternal instincts. It is “Mother Nature,” not “Mother Nurture.”
in http://www.nytimes.com/2010/12/05/fashion/05Modern.html?pagewanted=1&_r=1
Honey, Let’s Get a Little Divorced By RACHEL ZUCKER
Published: December 2, 2010
MY husband and I recently celebrated a milestone. It was the day we’d been married for 13 years, 2 months and about a week: the day our marriage outlasted my parents’ marriage.
The actual day isn’t so significant; after all, my parents were separated for more than a year before their divorce was final, and their marriage had been a mess for years before that. Still, staying married longer than my parents felt like a measure of success worthy of consideration. My husband and I had already passed the point where his parents had divorced, and our sons are older than my husband and his brother were when their father moved out.
When it comes to marital longevity, being the adult children of divorce actually has its advantages. Because of remarriage, our sons have seven grandparents, all of whom are motivated to help us because they have experienced how fragile marriage can be.
And my husband’s and my shared history of growing up in joint custody, dealing with step-parents and surviving the painful effects of divorce helped bring us together and is something we reference to keep our marriage strong. Almost every day of our honeymoon, and off and on throughout our newlywed year, one of us would say: “Hey, honey, let’s get divorced for five seconds, O.K.? Great, now that that’s out of the way ...”
People look askance when we joke like this and laugh uncomfortably when my husband (still) introduces me as his “first wife.” But the gallows humor is something positive, part of what made us seek out couples therapy instead of throwing in the towel when things got tough, part of what made my husband say, “No, I will not,” when I asked him to leave during a rough patch in our seventh year of marriage. The real possibility of divorce and the firsthand experience of how marriages fail have made us fight for ours rather than take it for granted.
A good marriage, of course, isn’t just about how long you stay together, and ours is successful for more than its longevity. Although I often complain about being married (and have written a book of poems called “The Bad Wife Handbook,” about the difficulties of monogamy), I love my husband, I love being married and I’m committed to staying married. So, as I reach the end of my 30s and see many of my cohort splitting up, I’m surprised that while I feel sad for them, I also feel a fair amount of envy.
Sure, the divorced parents’ children seemed shellshocked, there are financial complications and post-marriage dating seems terrifying. But I’ve heard the phrase “He’s such a great dad ever since the divorce” so often and been told so many stories about post-marriage women following long-thwarted dreams and “finding themselves” in deeply satisfying ways that I’m starting to wonder if there isn’t something my husband and I (and even our children) are missing by staying married. I’ve begun to wonder if there isn’t something positive about divorce that we could incorporate into our marriage.
Which is why, on a recent date night, I said in all seriousness to my husband, “Honey, I think we need to act a little more divorced.”
Without missing a beat, he asked, “Does ‘acting divorced’ mean I get to sleep with other women?”
No, was my instant and adamant answer. I’m sure there are marriages that survive or are even strengthened by infidelity — certainly there is the European model of long marriages that include mistresses and kept men. But I know I’m not capable of that kind of arrangement.
“Sorry,” I told my husband, who admitted he wasn’t up for that kind of complexity, either. “I’m talking about you being a more in-charge dad and me being a more independent woman.”
When I told my friend Joan about my plan to act a little more divorced, she said, “Aren’t you just wanting him to man up?”
“Man up” is a funny phrase, given the context, because what she means in part is: Don’t I want him to be more like a wife and mother?
Maybe.
“Mother Nature,” theorizes that the huge cultural differences between men and women can be traced to small things, like the fact that mothers respond slightly faster to crying infants than fathers do, and that over time these seemingly minor differences result in significant discrepancies between maternal and paternal investment of daily time and energy.
Related
More Modern Love ColumnsMaybe what I mean by “acting divorced” is that I want us to renew our vows not of marriage but of egalitarianism. My husband is a feminist, but somehow I’ve taken charge of the lioness’s share of our domestic responsibilities even though he doesn’t make more money or work longer hours than I do. And the more I do, the more helpless and unhelpful he becomes. Our parenting sometimes resembles a game of chicken, and I almost always lose.
When my husband and I met, he was running a short-term business enterprise. For a week he planned the menus, bought the groceries and cooked two meals a day for a troupe of 80 actors performing in the Yale commencement musical. I reminded him of this (somewhat angrily) the other night when he was flummoxed by the task of preparing pasta, jarred sauce and broccoli (that I’d already cooked and put in the refrigerator).
“Maybe I just need to make my own things,” he said, following me around as I set the table for a dinner I would not be eating.
“Great!” I said, knowing he’d never take the initiative.
Standing in front of the open refrigerator (but unable for some reason to find the broccoli), he rhapsodized about the “dragon puke” avocado omelets his father, Jerry, used to make on weekends at Dad’s. What I would have pointed out to him, if I hadn’t needed to rush off to teach a class, was that these days Grandpa Jerry routinely makes elaborate dinners for his wife and young son because in the years between his marriages he became a fantastic cook.
It bothers me that I do more than half the work, even if this inequality may have developed because I was better at these things or had trouble ceding control. It bothers me that our marriage — efficient and loving though it mostly is — has caused both of us to let valuable skills and abilities atrophy and to become less than our best selves.
Although my husband is far more social than I am, he has failed to maintain any of his independent friendships. Last year, when I was offered the opportunity to go to Paris, I turned it down because I worried about how our children would feel if I was away for a week, and figured I’d probably feel too guilty and distracted to enjoy the trip anyway.
WHAT really bothers me, though, is that when I ask my husband, “Do you think you’d be a better father if I died?” the answer is easy: “Yes.” And when I ask if he’d be a better father if we were divorced, the answer is, “Probably.” My husband supports me in my work but also resents my work because it competes with the family for my attention and energy. Would I be more “liberated” without him? Absolutely.
In a perfect world, divorce offers mothers an opportunity to reclaim their independence and sense of self. And it offers fathers the opportunity to parent without someone looking over their shoulders and micromanaging them, without someone who is always doing domestic chores or child care “better” and a little faster. In this fantasy world, both men and women have the opportunity to feel like autonomous people who can and must take responsibility for their own lives and choices. Shouldn’t married people live like this as well?
As I write this, I’m spending three days away from my family. I’m working hard and living on my own schedule and loving every second of it and (mostly) not feeling guilty. Meanwhile, my husband is at home, probably feeding the kids junk and letting them stay up too late. I’m not going to ask. And I’m not going to criticize.
I’m going to try to follow my version of the Zen admonition to live as if you have already died by trying to be married as if I had already been divorced. I’m going to imagine that this is our joint custody arrangement until Friday, when I get to return to my sweet and imperfect husband because truly I am his wife and have been for 13 years, 2 months and several weeks. And I wouldn’t want it any other way.
Rachel Zucker lives in New York City. Her latest book of poems is “Museum of Accidents” (Wave Books). E-mail: modernlove@nytimes.com
This article has been revised to reflect the following correction:
Correction: December 12, 2010
The Modern Love column last Sunday, about using certain aspects of divorce to improve a marriage, misstated the title of a book by Sarah Blaffer Hrdy that examines maternal instincts. It is “Mother Nature,” not “Mother Nurture.”
in http://www.nytimes.com/2010/12/05/fashion/05Modern.html?pagewanted=1&_r=1
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