sábado, dezembro 08, 2012

TEATRO & PSICOLOGIA

Ir além das cercas da mente em 2013
Encontrar o rio sensível em 2013
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sábado, setembro 29, 2012

De volta ao Berço

Rio Minho Rio Lima Rio Cávado Rio Âncora Rio Homem Rios Afluentes nascentes água fluir
Natureza Beleza Gratidão

quarta-feira, junho 13, 2012

segunda-feira, abril 09, 2012

Comédias do Minho



I believe that singing is the key to long life, a good figure, a stable temperament, new friends.

Brian Eno

quarta-feira, fevereiro 22, 2012

Uma Sociologia do Sensível: Sensibilizar a Comunidade




ESTC | Ano Lectivo 11/12 |
Joana Mealha Santos|
Teatro e Comunidade II | Nº 1101043 |
20/02/12

“When you show some respect to the other, you have to respect another’s language and to affirm yours. That is the deep experience of translation – it is not only political, but poetic.”

(Derrida, cit por Nicholson, 2005; p. 137)

O Sensível, a Cidadania, a Comunidade, o Teatro – uma introdução

O sensível, como nos surge no quotidiano, é a forma universal do ser bruto, na sua concreção plena, que, além de envolto em mistério, encerra também o inteligível (cf. p. 17, Merleau-Ponty, 2003). O pensamento moderno oferece um duplo carácter de inacabamento e de ambiguidade que permitem, se se quiser, falar de declínio ou de decadência. Aparentemente, o artista hoje multiplica à sua volta os enigmas e as fulgurações. Os mundos são inacabados e não são únicos. O coração dos modernos é pois, um coração intermitente e que não chega a conhecer-se. Neles não só as obras são inacabadas, mas o próprio mundo, tal como eles o expressam, é como que uma obra sem conclusão e acerca da qual não se sabe se alguma vez terá uma (cf. pp. 63 – 65, Merleau-Ponty, 2003).

O cérebro físico é um só. Para o cérebro dentro e fora são equivalentes: uma memória e um acontecimento palpável podem disparar as mesmas reacções no nosso organismo. Toda a acção acontece no presente, nada pode acontecer fora deste. O tempo é, afinal, contínuo. Mesmo quando se cala o Pensamento Simbólico, o Pensamento Sensível está sempre activo. Assim, educar para a sensibilidade é todo um projecto de civilização e não simplesmente um ensino de alguns comportamentos condicionados. Continuar a defender uma Educação para a Sensibilidade é defender um modelo de sociedade em construção de um equilíbrio, difícil mas desejável.

Temos a capacidade de ser livres, emancipados, auto-conscientes de forma individual. As decisões correspondem a visões do mundo, mais ou menos realistas, mas existe sempre um enviesamento mental para estruturar as opções. É urgente discutirmos os paradigmas da sociedade, os nossos quadros mentais, os nossos preconceitos, as nossas visões do mundo. É aí que necessitamos agir, pedir clarificações sobre o modelo de sociedade humana subjacente à torrente de destruição que temos vindo a assitir. Ostracizar o potencial transformador da convivência com a arte é uma atitude ignorante, os cidadãos não deveriam aceitar passivos a amputação dos seus direitos de participação na cultura da sua comunidade.

Rancière elucida-nos sobre a função vital para a comunidade de uma forma de arte – o teatro: “Os reformadores do teatro reformularam a oposição platónica entre khoreia e teatro, transformando-a em oposição a verdade do teatro e o simulacro do espectáculo. Fizeram do teatro o lugar onde o público passivo devia transformar-se no seu princípio vital. O texto de apresentação da sommerakademie que me acolhia exprimia isso mesmo nos seguintes termos: „o teatro é o único lugar de confrontação do público consigo próprio, enquanto colectivo‟. Em sentido restrito, essa frase quer somente distinguir a audiência colectiva do teatro e os visitantes individuais de uma exposição ou o simples somatório das entradas no cinema. Mas é óbvio que quer dizer mais do que isso. Significa que o „teatro‟ é uma forma comunitária exemplar. Introduz uma ideia de comunidade como autopresença, por oposição à distância da representação. Desde o pensamento alemão que o pensamento em torno do teatro se viu associado a essa ideia de colectividade viva. O teatro surgiu então como uma forma da constituição estética – da constituição sensível – da colectividade. Entendamos nesta expressão a comunidade como a maneira de ocupar um lugar e um tempo, como o corpo em acto oposto ao simples aparelho das leis, como conjunto de percepções, de gestos e de atitudes que precede e pré-figura as leis e as instituições políticas. O teatro, mais do que qualquer outra arte, foi associado à ideia romântica de uma revolução estética, capaz de transformar já não a mecânica do Estado e das leis, mas as formas sensíveis da experiência humana. A reforma do teatro significa então a restauração da sua natureza de assembleia ou cerimónia da comunidade”(pp. 12 e 13, Rancière, 2010).

O Sensível versus a Política: o nascimento da Liberdade

Ser pessoa significa ser uma fonte autónoma do agir, qualidade adquirida somente pela posse de algo particular, que a individualiza, onde ela é mais do que uma simples encarnação do tipo específico da sua raça e de seu grupo. No entanto, organizamo-nos em grupos, comunidades, sociedades, civilizações e é na interacção que nos constituímos. A vivência que temos, é, todavia, a da dissolução no outro que não é nada mais do que eu mesmo, em outro momento. O tempo é construído. As imagens do tempo anterior tornam-se quase tácteis. Constrõem-se a História, a pequena história e as estórias. Uma civilização que não partilha com as gerações mais novas, os seus golpes de destino, descobertas e fracassos no conhecimento científico, religioso, político e científico, é uma civilização que não se reconhece, que não aprende; simplesmente se reactualiza automaticamente, sem sensibilidade.
A caminhada europeia fez-se de conflito, com intervalos de paz, esquecer as tensões existentes não as soluciona. Por diversas vezes, nesse percurso, o norte se sentiu detentor da ética e recriminou o sul pela sua relação sensual com a vida, se nos detivermos nos movimentos da Reforma, na história e na arte compreenderemos melhor o tempo actual.

A História ensina-nos por analogia, não por identidade. A experiência histórica não implica estar no presente e olhar para trás mas sim olhar o passado e voltar para o presente com um conhecimento mais amplo e intenso dos limites do nosso quadro mental anterior.

A preservação da cultura pode bem tomar a forma de uma utopia, no entanto, não caminhar neste sentido de contínua busca de harmonia, mesmo que inatingível, é tomar parte nos extremos destrutivos da civilização: a rivalidade tribal ou o pressuposto de fraternidade comunitária quase obrigatória, sem lugar para o subjectivo. Na música encontramos, por exemplo, nas orquestras e nos grupos corais uma reunião de diferentes subjectividades harmonizadas através das pautas e com um objectivo comum, dirigidos por alguém que é respeitado na função. Não deveriam existir inevitabilidades na governação pois estaríamos a ser todos enganados quanto ao real valor da democracia: se os projectos de quem se propõe governar não são viáveis face à inevitabilidade, então o debate entre projectos é inútil e estéril, então a democracia é uma falácia, cujo objectivo é co-responsabilizar os cidadãos por decisões pré-determinadas. A obra O Mundo em Que Vivemos, no entanto, contradiz-nos: “na perspectiva neocapitalista, o Estado deve favorecer o crescimento integrado e ordenado do consumo e preocupar-se com que sejam, harmoniosamente, providas as necessidades despertadas pelo sistema, tendo em vista garantir o seu funcionamento. Para isso, o Estado deve representar o papel de árbitro dos mais largos acordos possíveis quanto ao nível e divisão das remunerações, a fim de ser o agente de uma expressão harmónica do consumo. Para assumir esta função o Estado deve possuir a confiança da população: deve aparecer-lhe como democrático. É uma exigência funcional do sistema” (p.137, Janne, 1972).

Existirá lugar para a democracia num sistema neoliberalista com regras tão rígidas? Para que necessita o sistema de nó então? Ele parece não poder existir sem a energia gerada pelo nosso caos geral em grande medida emocional, que nos deixa somente com nosso instinto predatório animal. Ele sabe que, quanto menos o nível intelectual dos indivíduos, menor é a sua capacidade de resistência às imposições. Para conseguir isso, não só há manipulação das estruturas de ensino e das estruturas profissionais, como as empresas, mas a utilização da arma mais letal: a televisão e os seus “programas de entretenimento”, criados para afastar as populações de situações estimulantes e conseguir adormecer o seu Pensamento Sensível.
O objectivo final deste pesadelo é um grande objectivo final de transformar o planeta terra num planeta-prisão mediante um Mercado Único Globalizado, controlado por um Governo Mundial Único, vigiado por um Exército Unido Mundial, regulado economicamente por um Banco Mundial e habitado por uma população totalmente controlada cujas necessidades vitais se reduziram ao materialismo e à sobrevivência: trabalhar, comprar, procriar, dormir, tudo conectado a um computador central que fiscalizará todos os nossos movimentos. Uma forma de governo muito mais eficaz do que o terror apoiado na força militar.

Queremos um sistema monolítico, um novo totalitarismo? Queremos a escravatura total? O fim da sociedade civil? Queremos este mundo para as nossas crianças? A criança apenas sente e deseja e com o tempo, aprende tudo aquilo que a sua cultura lhe ensina, permite ou obriga – ou torna-se marginal. Depois disso pode tomar partido, eleger, decidir a partir de uma base de risco e não apenas escolher entre uma disponibilidade de opções que pode estar manipulada à partida. Existe outra forma de lidar, de reagir e recriar o mundo. A chave: a preservação do contacto com o omnipresente Pensamento Sensível. Depende de nós libertar-nos deste possível futuro obscuro. Necessitamos agir. Nunca encontraremos as respostas adequadas senão formos capazes de formular perguntas apropriadas. A maior ameaça à vida provém do próprio sistema de terror que se supõe que protege os cidadãos: guerras e sofrimento, descalabros financeiros e crises políticas mantêm os indivíduos num desequílibro perpétuo e perpectuam o movimento de expansão do próprio sistema monolítico. A solução: não adormecer, questionar, sentir, agir. Numa palavra: não ter medo da liberdade.

O Sensível na construção do Espaço-Tempo: a Continuidade como Construção Social

Para agir da forma mais eficaz é importante apoiarmo-nos na sociologia. Perceber melhor a forma como os seres humanos vivem o decorrer do tempo. No fundo, como aprendemos com o tempo. Como se dá a mudança de comportamentos.

“Herbert Mead foi um dos primeiros sociólogos a produzir alguns ensaios sobre o tempo. Em The Present as the Locus of Reality, o autor define os critérios fundamentais para a determinação do tempo enquanto fenómeno social” (...) “Para Mead o tempo deverá ser analisado tendo por base a distinção entre passado, presente e futuro. No entanto estes três modos não detêm a mesma qualidade, na medida em que o presente comporta uma realidade própria que o distingue do passado e do futuro. Ou, dizendo de outro modo, o real é sempre presente: „When present has passed it no longer is’ (Mead, 1980: p. 28; cit. por Carmo, 2006: p. 77). Neste sentido, o passado e o futuro só podem ser construídos a partir de uma situação presente” (p. 77, Carmo, 2006).
“A continuidade do tempo está bem expressa n[a] ligação entre o passado e o futuro no presente. (...) No entanto, se é a projecção da acção que desenrola o processo, aquilo que a motiva é a concepção da provável realização de um determinado acto: „é fácil perceber que o último, o acto que virá a ser realizado, é o ponto de partida de todo o projecto‟ (Schutz, 1979: p. 139; ; cit. por Carmo, 2006: p. 81). A previsão do acto condiciona a própria existência e a conduta do projecto. Neste sentido a interpretação do passado e a projecção no futuro são desencadeadas a partir da antecipação de determinado acto. A escolha do acto determina tudo resto” (p. 81, Carmo, 2006).

“Anthony Giddens baseia-se na noção de presença de Mead para elaborar a sua teorização do tempo. No entanto, para o primeiro, o presente não pode ser definido apenas como uma posição no tempo, mas sim, como uma posição simultânea no espaço e no tempo. (...) A presença é o factor fundamental que permite os actores [sociais] interagirem entre si: estarmos presentes no mesmo tempo e no mesmo espaço é a condição necessária para podermos interagir directamente. A não presença é ausência, o que significa impossibilidade de interacção face-a-face. Por ausência, queremos dizer, uma distância entre actores [sociais] no tempo e no espaço. Desta forma qualquer relação humana tem por base a dualidade presença/ausência” (p.84, Carmo, 2006).

Para Giddens “o tempo é analisado como uma prática social e não como uma representação, no sentido de uma construção social da realidade” (...) é antes de mais possibilidade de interacção (conf. p. 86). “E, neste sentido, o tempo não pode ser isolado da sua dimensão espacial. É partindo deste pressuposto que o autor apresenta o primeiro princípio da sua concepção: a presença. Este princípio é fundamental para a compreensão da vida social dos indivíduos, que „ocorre em – e é constituída por – intersecções de presença e ausência no „ escoamento‟ do tempo e na „transformação gradual‟ do espaço‟ “(Giddens, 1989: p. 107; cit. por por Carmo, 2006: p. 86).

“No entender de Giddens, semelhantes intersecções de presença ausência reactualizam-se na passagem dos dias” (p. 86, Carmo, 2006).
“A noção de tempo reversível é retirada da obra de Levi-Strauss. Para o antropólogo a reversibilidade representa uma condição básica para a existência e manutenção de um mito „estrutura permanente‟ que „[se] relaciona simultaneamente ao passado, presente e futuro‟ (Levi-Strauss, s/d: p.241; por Carmo, 2006: p.87).

Porém existem limites para esta proposta já que “o fenómeno mito (...) é característico das sociedades (...) em que a noção de História ainda não existia, ou pelo menos, era embrionária” e “que foi precisamente devido à capacidade das sociedades distinguirem o passado do futuro que começou a ser fundada a modernidade” com a sua possibilidade de decisão. (cf. p.87, Carmo, 2006).

“Nestes termos, como o que interessa à sociologia é a forma como as pessoas vivem o tempo e não a direcção que o tempo toma (enquanto fenómeno exterior), pode concluir-se que a repetição deve ser analisada como algo concreto: „é certo, e isso é frequentemente sublinhado, que por oposição a um tempo linear e progressivo que se torna rapidamente homogéneo e exterior, o tempo socialmente e individualmente vivido é o da repetição, o da circularidade‟” (Maffesoli, 1979: p. 25; por Carmo, 2006: p. 90).

A Arte de Dar: Criatividade, Loucura e Percepção

A sociologia ofereceu-nos alguns dados da nossa vivência espacio-temporal e suas consequências comportamentais. Contudo, é importante ainda apoiarmo-nos também na psicologia tendo, agora, em conta as perturbações que influenciam a vivência do espaço-temporal na pessoa.

Diz-nos Foucault que existe sempre consciência mesmo na doença. A consciência doente “não se resume à consciência que ela toma da sua doença, dirigindo-se também a um mundo patológico... Minkowski [psiquiatra francês de origem russa] estudou as perturbações nas formas temporais do mundo mórbido. Analisou, em particular, um caso de delírio paranóide, no qual o doente se sente ameaçado por catástrofes que nenhuma precaução pode conjurar: a cada instante, renova-se a iminência, e o facto de a infelicidade apreendida nunca se ter manifestado não pode provar que não se manifestará nos instantes seguintes. Ora, a catástrofe pela qual ele se sente ameaçado é morrer esmagado por tudo aquilo que no mundo é resíduo, cadáver, detritos, lixo. É fácil de ver uma relação significativa entre esse conteúdo do delírio e o fundo ansioso da iminência catastrófica: a obsessão do sujeito pelos „restos‟ manifesta uma incapacidade de conceber como pode desaparecer uma coisa, como aquilo que já não existe pode não permanecer ainda. Para ele, a acumulação do passado já não pode ser liquidada; e, correlativamente, o passado e o presente não conseguem antecipar o futuro; nenhuma segurança adquirida pode ser garantida contra as ameaças que ele contém; no futuro, tudo é absurdamente possível. No seu enlace delirante, essas duas ideias revelam assim uma perturbação maior na temporalidade; o tempo já não se projecta nem corre; o passado acumula-se; e o único futuro que se abre só pode conter como promessa o esmagamento do presente pela massa constantemente sobrecarregada do passado.” (pp. 62 e 63, Foucault, 2008).
“Cada perturbação comporta, assim uma alteração específica do tempo vivido. Binswanger [psiquiatra suíço], por exemplo, definiu (...) a perturbação temporal da existência maníaca: aí, por fragmentação, o tempo tornou-se momentâneo; e, sem abertura para o passado e o futuro, redemoinha sobre si mesmo, procedendo quer por saltos, quer por repetições.É sob o fundo da temporalidade assim perturbada que deve compreender-se a „fuga de ideias‟, com a sua alternância característica de repetições temáticas e associações saltitantes e ilógicas. O tempo do sujeito esquizofrénico também é descontínuo, mas entrecortado pela iminência do Súbito e do Terrífico, a que o doente escapa apenas mediante o mito de uma eternidade vazia; a temporalidade do sujeito esquizofrénico divide-se, assim, entre o tempo fragmentado da angústia e a eternidade (sem forma nem conteúdo) do delírio.” (p. 63, Foucault, 2008).

“O espaço, enquanto estrutura do mundo vivido, pode prestar-se às mesmas análises. Às vezes quebram-se distâncias (que reconhecem aqui pessoas que eles sabem que estão noutro lugar) ou aos sujeitos alucinados (que ouvem as próprias vozes, não no espaço objectivo onde se situam as fontes sonoras, mas num espaço mítico, numa espécie de quase-espaço onde os eixos de referência são fluidos e móveis: eles ouvem aqui, perto deles, completamente à sua volta, em si, vozes dos perseguidores, que situam simultaneamente, para além das paredes, bem para lá da cidade ou além-fronteiras). O espaço transparente onde cada objecto tem o seu lugar geográfico e onde as perspectivas se articulam é substituído por um espaço opaco onde os objectos se misturam, aproximam e afastam numa mobilidade imediata, deslocando-se sem movimento e fundindo-se finalmente num horizonte sem perspectiva (...) Noutros casos, o espaço torna-se insular e rígido. (...) Roland Kuhn [psiquiatra suíço] estudou neste sentido os delírios de „limites‟ em alguns sujeitos esquizofrénicos: a importância dada aos limites, às fronteiras, aos muros, a tudo o que cerca, encerra e protege depende da ausência de unidade interna na disposição das coisas; é na medida em que estas não „se mantém‟ juntas que é preciso protegê-las do exterior e mantê-las numa unidade que não é natural para elas. Os objectos perderam a sua coesão e o espaço perdeu a sua coerência...” (pp.63 e 64 Foucault, 2008).

“Não só o meio espacio-temporal, nas suas estruturas existenciais, mas também o universo sócio-cultural é perturbado pela doença. Outrem deixa de ser para o doente o parceiro de diálogo e o cooperador de uma tarefa; já não se apresenta sob o fundo das implicações sociais, perde a sua realidade de „socius‟, tornando-se, nesse universo despovoado, o Estranho” (pp. 64 e 65, Foucault, 2008).

Para complementar, e baseando-nos agora numa personalidade do Teatro, Artur Boal oferece-nos mais dados importantes sobre o trabalho em ambiente psiquiátrico: “Considerar toda essa gente [profissionais de um hospital psiquiátrico] como sendo excepcional não se constituía numa tarefa realmente difícil: toda a gente apresenta pequenos tiques nervosos, toda a gente tem um olhar DIFERENTE, toda a gente anda de uma maneira NÃO NORMAL. Não é isso? Tomemos você e eu, por exemplo. Pergunta: onde está o normal? O mecanismo é muito simples: a partir do momento em que me foi dito „são excepcionais‟, eu os considerei como excepcionais. Qualquer pessoa que se me apresentasse teria sido acolhida com a mesma gentileza (e com um quê de piedade, de comiseração). (...) Comecei a observar o comportamento dos outros professores ou enfermeiros em relação aos adolescentes. Então, me dei conta de similaridades. Duas diferenças – a primeira: eles sabiam muito bem e podiam distinguir muito bem quem estava DOENTE e quem estava SÃO DE ESPÍRITO, salvo no caso de um recém-chegado (...). A segunda: diante dos doentes, não demonstravam ser particularmente GENTIS, mas, sobretudo, ENERGÉTICOS. Observava sobretudo os enfermeiros que entravam numa ampla sala na qual eu esperava o início de cada sessão; nessa mesma sala, havia muita gente: adolescentes, funcionários, etc. Os enfermeiros entravam e eu espantava-me ao ver seus rostos, as mudanças de suas fisionomias de acordo com quem eles estavam a olhar. Quando os seus olhos repousavam sobre mim, estavam educados, mas logo tornava-se-lhes necessária certa autoridade, certa energia, quando seu olhar recaía sobre uma criança. Suponhamos que, como Georges, eu tivesse sido considerado como um doente. Quanto tempo teria sido capaz de resistir? Não por toda a minha vida. Se a imagem que se divulga de mim fora a de um louco, como convencer de que não é verdade? Como não acomodar-se? Para mim, teria sido difícil, mas, para um jovem, o é muito mais. Longe de mim a ideia de insinuar que os adolescentes se tornavam doentes depois de terem sido submetidos ao olhar dos outros. Nada disso. Muito antes, tinham as suas famílias. Entre elas, muitos pais alcoólicos, muita miséria, bairros imundos, drogas, violências físicas, corporais, promiscuidade e toda a série habitual de infelicidades. Não precisavam de um simples olhar para estarem ali onde se encontravam. Contudo, os olhares me marcaram de um modo poderoso. E isso porque eu mesmo os havia utilizado” (pp.64 e 65, Boal, 2002). Compreender é, portanto, mais do que aceitar e imitar os olhares que outros utilizam, são movimentos muitos diferentes, compreender é olhar para além do episódio e aceitar é subordinar-se ao facto imediato.

Teatro e Comunidades Sensíveis – uma conclusão

Uma imagem sentimental das comunidades locais como sistemas sociais confortáveis voltou a entrar na imaginação popular e tem sido muito utilizada por políticos na sua retórica, com conotações positivas de calor interpessoal, interesses partilhados e lealdade. (...) As comunidades (...) são construções simbólicas idealizadas que não só mantém as pessoas juntas mas que também agem como poderosos meios de exclusão, separando o „nós‟ dos „eles‟. Se este é o caso, a construção e modelagem de comunidades locais (...) não é tanto a recuperação ou redescoberta das narrativas perdidas de um passado homogéneo mas fazer uma contribuição na redefinição das suas fronteiras actuais e simbólicas no presente e para o futuro” (pp. 83 e 84, Nicholson, 2005).

As pessoas que se aproximam da esfera do Teatro e Comunidade esperam que os participantes e as audiências destes projectos expandam a sua percepção de como é a vida e imaginem como pode ser diferente. Fomentam a vivência do desconhecido, além daquilo que já sabem. O Teatro e Comunidade, o Teatro Comunitário, o Teatro Social e o Teatro Aplicado, mantêm nos seus diversos nichos um ethos reflexivo, uma tradição de questionamento criativo e crítico e o processo de interpretação e re-interpretação é central para todas as suas diferentes práticas. Escrevendo sobre pintura Merleau-Ponty descreve esta dinâmica entre criatividade e percepção, ele sugere que, na arte, os significados não são nunca transparentes, não são facilmente interpretáveis, e é por isso que é importante olhar para além do imediato e óbvio e para os espaços em branco que o pintor deixa entre as pinceladas, ou para os silêncios entre as palavras. Estas aberturas são expressivas: elas convidam-nos a interpretações múltiplas e oferecem-nos uma espaço estético no qual os significados são feitos” (cf. pp. 166 e 167, Nicholson, 2005). Podemos ser livres de várias maneiras baseando-nos na nossa sensibilidade, habitada, entre outros lugares, pela arte.


Referências Bibliográficas

Boal, Augusto (2002). O Arco-Íris do Desejo: Método Boal de Teatro e Terapia (2ª edição). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

Carmo, Renato [Miguel do](2006). Contributos para Uma Sociologia do Espaço-Tempo. Oeiras: Celta Editora.

Foucault, Michel (2008). Doença Mental e Psicologia. Lisboa: Edições Texto & Grafia.

Janne, Henry (1972). O Tempo da Mudança (col. O Mundo em que Vivemos). Lisboa: Editorial Estúdios Cor.

Merleau-Ponty, Maurice (2003). Palestras (org. Stéphanie Ménasé). Lisboa: Edições 70.

Nicholson, Helen (2005). Applied Drama: The Gift of Theatre. NY: Palgrave Macmillan.

Rancière, Jacques (2010). O Espectador Emancipado. Lisboa: Orfeu Negro.

segunda-feira, fevereiro 13, 2012

quinta-feira, janeiro 19, 2012

Geração À RASCA???

UM DIA, ISTO TINHA DE ACONTECER

Mia Couto

Existe uma geração à rasca?
Existe mais do que uma! Certamente!
Está à rasca a geração dos pais que educaram os seus meninos numa abastança caprichosa, protegendo-os de dificuldades e escondendo-lhes as agruras da vida.
Está à rasca a geração dos filhos que nunca foram ensinados a lidar com frustrações.
A ironia de tudo isto é que os jovens que agora se dizem (e também estão) à rasca são os que mais tiveram tudo.
Nunca nenhuma geração foi, como esta, tão privilegiada na sua infância e na sua adolescência. E nunca a sociedade exigiu tão pouco aos seus jovens como lhes tem sido exigido nos últimos anos.
Deslumbradas com a melhoria significativa das condições de vida, a minha geração e as seguintes (actualmente entre os 30 e os 50 anos) vingaram-se das dificuldades em que foram criadas, no antes ou no pós 1974, e quiseram dar aos seus filhos o melhor.
Ansiosos por sublimar as suas próprias frustrações, os pais investiram nos seus descendentes: proporcionaram-lhes os estudos que fazem deles a geração mais qualificada de sempre (já lá vamos...), mas também lhes deram uma vida desafogada, mimos e mordomias, entradas nos locais de diversão, cartas de condução e 1.º automóvel, depósitos de combustível cheios, dinheiro no bolso para que nada lhes faltasse. Mesmo quando as expectativas de primeiro emprego saíram goradas, a família continuou presente, a garantir aos filhos cama, mesa e roupa lavada.
Durante anos, acreditaram estes pais e estas mães estar a fazer o melhor; o dinheiro ia chegando para comprar (quase) tudo, quantas vezes em substituição de princípios e de uma educação para a qual não havia tempo, já que ele era todo para o trabalho, garante do ordenado com que se compra (quase) tudo. E éramos (quase) todos felizes.
Depois, veio a crise, o aumento do custo de vida, o desemprego, ... A vaquinha emagreceu, feneceu, secou.
Foi então que os pais ficaram à rasca.
Os pais à rasca não vão a um concerto, mas os seus rebentos enchem Pavilhões Atlânticos e festivais de música e bares e discotecas onde não se entra à borla nem se consome fiado.
Os pais à rasca deixaram de ir ao restaurante, para poderem continuar a pagar restaurante aos filhos, num país onde uma festa de aniversário de adolescente que se preza é no restaurante e vedada a pais.
São pais que contam os cêntimos para pagar à rasca as contas da água e da luz e do resto, e que abdicam dos seus pequenos prazeres para que os filhos não prescindam da internet de banda larga a alta velocidade, nem dos qualquercoisaphones ou pads, sempre de última geração.
São estes pais mesmo à rasca, que já não aguentam, que começam a ter de dizer "não". É um "não" que nunca ensinaram os filhos a ouvir, e que por isso eles não suportam, nem compreendem, porque eles têm direitos, porque eles têm necessidades, porque eles têm expectativas, porque lhes disseram que eles são muito bons e eles querem, e querem, querem o que já ninguém lhes pode dar!
A sociedade colhe assim hoje os frutos do que semeou durante pelo menos duas décadas.
Eis agora uma geração de pais impotentes e frustrados.
Eis agora uma geração jovem altamente qualificada, que andou muito por escolas e universidades mas que estudou pouco e que aprendeu e sabe na proporção do que estudou. Uma geração que colecciona diplomas com que o país lhes alimenta o ego insuflado, mas que são uma ilusão, pois correspondem a pouco conhecimento teórico e a duvidosa capacidade operacional.
Eis uma geração que vai a toda a parte, mas que não sabe estar em sítio nenhum. Uma geração que tem acesso a informação sem que isso signifique que é informada; uma geração dotada de trôpegas competências de leitura e interpretação da realidade em que se insere.
Eis uma geração habituada a comunicar por abreviaturas e frustrada por não poder abreviar do mesmo modo o caminho para o sucesso. Uma geração que deseja saltar as etapas da ascensão social à mesma velocidade que queimou etapas de crescimento. Uma geração que distingue mal a diferença entre emprego e trabalho, ambicionando mais aquele do que este, num tempo em que nem um nem outro abundam.
Eis uma geração que, de repente, se apercebeu que não manda no mundo como mandou nos pais e que agora quer ditar regras à sociedade como as foi ditando à escola, alarvemente e sem maneiras.
Eis uma geração tão habituada ao muito e ao supérfluo que o pouco não lhe chega e o acessório se lhe tornou indispensável.
Eis uma geração consumista, insaciável e completamente desorientada.
Eis uma geração preparadinha para ser arrastada, para servir de montada a quem é exímio na arte de cavalgar demagogicamente sobre o desespero alheio.
Há talento e cultura e capacidade e competência e solidariedade e inteligência nesta geração?
Claro que há. Conheço uns bons e valentes punhados de exemplos!
Os jovens que detêm estas capacidades-características não encaixam no retrato colectivo, pouco se identificam com os seus contemporâneos, e nem são esses que se queixam assim (embora estejam à rasca, como todos nós).
Chego a ter a impressão de que, se alguns jovens mais inflamados pudessem, atirariam ao tapete os seus contemporâneos que trabalham bem, os que são empreendedores, os que conseguem bons resultados académicos, porque, que inveja!, que chatice!, são betinhos, cromos que só estorvam os outros (como se viu no último Prós e Contras) e, oh, injustiça!, já estão a ser capazes de abarbatar bons ordenados e a subir na vida.
E nós, os mais velhos, estaremos em vias de ser caçados à entrada dos nossos locais de trabalho, para deixarmos livres os invejados lugares a que alguns acham ter direito e que pelos vistos - e a acreditar no que ultimamente ouvimos de algumas almas - ocupamos injusta, imerecida e indevidamente?!!!
Novos e velhos, todos estamos à rasca.
Apesar do tom desta minha prosa, o que eu tenho mesmo é pena destes jovens.
Tudo o que atrás escrevi serve apenas para demonstrar a minha firme convicção de que a culpa não é deles.
A culpa de tudo isto é nossa, que não soubemos formar nem educar, nem fazer melhor, mas é uma culpa que morre solteira, porque é de todos, e a sociedade não consegue, não quer, não pode assumi-la.
Curiosamente, não é desta culpa maior que os jovens agora nos acusam.
Haverá mais triste prova do nosso falhanço?

segunda-feira, janeiro 09, 2012

Agir!



Recordando 2009, 07 de Dezembro

Aliados do Clima!

sábado, janeiro 07, 2012

Imaginem

by

Mário Crespo


Imaginem que todos os gestores públicos das setenta e sete empresas do Estado decidiam voluntariamente baixar os seus vencimentos e prémios em dez por cento. Imaginem que decidiam fazer isso independentemente dos resultados.

Se os resultados fossem bons as reduções contribuíam para a produtividade. Se fossem maus ajudavam em muito na recuperação.
Imaginem que os gestores públicos optavam por carros dez por cento mais baratos e que reduziam as suas dotações de combustível em dez por cento.

Imaginem que as suas despesas de representação diminuíam dez por cento também. Que retiravam dez por cento ao que debitam regularmente nos cartões de crédito das empresas.

Imaginem ainda que os carros pagos pelo Estado para funções do Estado tinham ESTADO escrito na porta.

Imaginem que só eram usados em funções do Estado.

Imaginem que dispensavam dez por cento dos assessores e consultores e passavam a utilizar a prata da casa para o serviço público.

Imaginem que gastavam dez por cento menos em pacotes de rescisão para quem trabalha e não se quer reformar.

Imaginem que os gestores públicos do passado, que são os pensionistas milionários do presente, se inspiravam nisto e aceitavam uma redução de dez por cento nas suas pensões. Em todas as suas pensões. Eles acumulam várias. Não era nada de muito dramático. Ainda ficavam, todos, muito acima dos mil contos por mês.

Imaginem que o faziam, por ética ou por vergonha.

Imaginem que o faziam por consciência.

Imaginem o efeito que isto teria no défice das contas públicas.

Imaginem os postos de trabalho que se mantinham e os que se criavam. Imaginem os lugares a aumentar nas faculdades, nas escolas, nas creches e nos lares.

Imaginem este dinheiro a ser usado em tribunais para reduzir dez por cento o tempo de espera por uma sentença. Ou no posto de saúde para esperarmos menos dez por cento do tempo por uma consulta ou por uma operação às cataratas.

Imaginem remédios dez por cento mais baratos.

Imaginem dentistas incluídos no serviço nacional de saúde.

Imaginem a segurança que os municípios podiam comprar com esses dinheiros.

Imaginem uma Polícia dez por cento mais bem paga, dez por cento mais bem equipada e mais motivada.

Imaginem as pensões que se podiam actualizar.

Imaginem todo esse dinheiro bem gerido. Imaginem IRC, IRS e IVA a descerem dez por cento também e a economia a soltar-se à velocidade de mais dez por cento em fábricas, lojas, ateliers, teatros, cinemas, estúdios, cafés, restaurantes e jardins.

Imaginem que o inédito acto de gestão de Fernando Pinto, da TAP, de baixar dez por cento as remunerações do seu Conselho de Administração nesta altura de crise na TAP, no país e no Mundo é seguido pelas outras setenta e sete empresas públicas em Portugal.

Imaginem que a histórica decisão de Fernando Pinto de reduzir em dez por cento os prémios de gestão, independentemente dos resultados serem bons ou maus, é seguida pelas outras empresas públicas.

Imaginem que é seguida por aquelas que distribuem prémios quando dão prejuízo.

Imaginem que país podíamos ser se o fizéssemos.

Imaginem que país seremos se não o fizermos......

segunda-feira, janeiro 02, 2012

O Teatro

sempre à espreita
à espera de acontecer
nas nossas vidas